MARCO ANCESTRAL: MDA é incluído em debate sobre demarcação de terras indígenas

Secom CONAFER

O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), incluiu o Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA) nas discussões sobre a lei do marco temporal, uma proposta inconstitucional que impede a demarcação de terras indígenas após a Constituição de 1988. O MDA vai ajudar com informações técnicas para reassentar os povos indígenas em áreas reconhecidamente ancestrais. Um Projeto de Lei instituindo o marco temporal foi aprovado pelo Congresso em dezembro de 2023, contrariando decisão do STF que deu ganho de causa ao povo Xokleng de José Boiteux-SC contra o Estado de Santa Catarina que pedia a reintegração da área indígena, em setembro do mesmo ano, e que enterrou a ideia do marco temporal ao instituir uma jurisprudência favorável aos povos originários. A decisão do STF é questionada em quatro processos no próprio STF. Gilmar Mendes é o responsável por analisar essas ações

Agora, o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) vai participar da câmara de conciliação, que trata da inconstitucionalidade da lei do marco temporal (lei 14701/2023). Criada pelo ministro Gilmar Mendes, a câmara de conciliação reúne representantes da União, do Congresso Nacional, dos governos estaduais e municipais, da sociedade civil e das comunidades indígenas. O objetivo é buscar um entendimento entre as partes envolvidas nos processos de demarcação de terras indígenas no Brasil. Até agora, a câmara realizou seis reuniões, nas quais discutiu, entre outros temas, a possibilidade de encontrar novas fontes de financiamento para as indenizações relacionadas às demarcações de terras.

Gilmar Mendes inclui Ministério do Desenvolvimento Agrário em debate sobre marco temporal indígena – Foto: Carlos Moura/ TSE

A participação do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA) na câmara de conciliação pode trazer vantagens para os indígenas, especialmente no que se refere à defesa de seus direitos territoriais. Como sabemos, os indígenas são agricultores familiares conforme a lei da Agricultura Familiar, número 11.326, de 2006. O MDA tem expertise técnica sobre questões agrárias e de reassentamento, o que é importante para ajudar a encontrar soluções justas em processos de demarcação de terras indígenas. Sua presença pode garantir que sejam levadas em consideração a proteção das comunidades originárias e dos seus territórios ancestrais nesta luta contra o marco temporal. Além disso, o MDA pode atuar como um mediador entre as partes, ajudando a evitar conflitos e a promover um diálogo mais equilibrado, com foco no bem-estar das populações indígenas. Dessa forma, a proteção dos direitos territoriais é fortalecida para buscar soluções adequadas à realidade das comunidades indígenas.

A inconstitucionalidade do marco temporal

Em 2023, o STF decidiu derrubar a tese do marco temporal com um placar de 9 a 2 em favor dos povos indígenas. Limitar os direitos dos povos indígenas à data da promulgação da Constituição de 88 é uma agressão aos povos originários e uma ilegalidade constitucional, por isso o STF não aceitou esta tese do marco temporal.

Em dezembro de 2023, o Congresso Nacional aprovou um Projeto de Lei que estabelece o marco temporal para a demarcação de terras indígenas, contrariando a decisão do STF tomada em setembro do mesmo ano. Nessa decisão, o STF deu ganho de causa ao povo Xokleng, de José Boiteux, em Santa Catarina, em um caso contra o Estado que queria retomar uma área indígena. 

O STF, ao decidir a favor dos Xokleng, o STF reconheceu que as terras pertencem aos povos indígenas por sua história e ancestralidade, sem a necessidade de um marco temporal. Logo, a decisão do STF foi vista como uma derrota para a tese do marco temporal, pois deixou claro que os povos indígenas têm direito sobre as terras que tradicionalmente ocupam, independentemente da data de ocupação. 

Foto: Joédson Alves/Agência Brasil

Apesar disso, o Congresso, ao aprovar o Projeto de Lei em dezembro, desconsiderou essa decisão do STF e tentou instituir o marco temporal por meio da legislação, o que ameaça os direitos territoriais dos povos indígenas. A Lei 14.701, sancionada em outubro de 2023, teve um veto parcial do presidente para se alinhar à decisão do STF, mas isso foi rejeitado pelo Congresso.

Em 22 de abril de 2024, o ministro Gilmar Mendes suspendeu os processos judiciais relacionados ao tema até que o STF tome uma decisão final. Contudo, essa suspensão não se aplica aos processos administrativos de demarcação de terras indígenas. A tensão entre os direitos indígenas e os proprietários de terras ainda é um assunto delicado e muito debatido no país.

Brasília (DF), 30/08/2023, Manifestação de Indígenas contra o marco temporal, na Esplanada dos Ministérios. Foto: Antônio Cruz/Agência Brasil

Para tentar resolver o conflito, recentemente, o juiz auxiliar de Gilmar Mendes, Diego Veras, sugeriu uma solução intermediária, com o objetivo de não afirmar claramente se o marco temporal deve existir ou não. A ideia é garantir segurança jurídica para todas as partes, com compensações aos donos de terras. A comissão também está levando em conta as regras internacionais, como as da Corte Interamericana de Direitos Humanos, que não reconhecem o marco temporal. 

Veras ressaltou que o Supremo Tribunal Federal já se manifestou sobre a ausência de um marco temporal para a demarcação de terras indígenas. Ele sugeriu que a comissão discuta três questões centrais da legislação: a forma de compensação aos proprietários de terras (como reassentamento, pagamento pela União ou permuta), o direito de retenção da terra até que a indenização seja paga, e a possibilidade de incluir alternativas, como a “posse indireta”. Além disso, de acordo com o ministro Gilmar Mendes, a principal preocupação não seria a existência de um marco temporal, mas a criação de garantias jurídicas, como a rapidez na solução do processo, a saída dos ocupantes apenas após a indenização e o pagamento de valores compatíveis com o mercado.

Foto: Gustavo Moreno/STF

As discussões começaram em 5 de agosto e se estenderão até 18 de dezembro. O objetivo do colegiado é submeter ao Congresso Nacional um anteprojeto de lei sobre as demarcações, elaborado em comum acordo entre os autores dos partidos que judicializaram a legislação no Supremo Tribunal Federal. Após isso, o texto será enviado para homologação do plenário da Corte e, caso aprovado, será encaminhado ao Congresso para apreciação.