Juliana Vasconcelos/Secom CONAFER
Uma pesquisa revelou que os incêndios florestais no Brasil, entre 2015 e 2021, causaram prejuízos de R$ 1,1 bilhão. Três anos depois, só os incêndios neste último mês de agosto no estado de São Paulo foram responsáveis por um prejuízo superior a R$ 1 bilhão. Além do impacto direto nos cofres públicos para controlar as queimadas, o comércio exterior também se vê em uma posição complicada, afinal, a crise ambiental dificulta a conclusão de acordos comerciais do Brasil com outros países e blocos econômicos quando eventos desta natureza chamam atenção da mídia global. Importantes zonas de cultivo agrícola de grãos, frutas, vegetais e carne bovina foram afetadas e, embora o mercado ainda não tenha precificado adequadamente os danos causados pelos incêndios, o impacto no curto e longo prazo no setor alimentício e nas cadeia de abastecimento é algo inevitável, podendo ser sentido pelo consumidor já nas próximas semanas. Mas, afinal, qual o impacto no preço dos alimentos para os consumidores brasileiros?
O Cemaden (Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais) informou que 16 Estados e o Distrito Federal registraram, em 2024, o período mais seco dos últimos 44 anos, o que tem dificultado o controle de incêndios. Diante deste momento trágico com os principais biomas brasileiros em chamas, vamos entender qual o impacto esperado no preço dos alimentos e seu reflexo direto na nossa economia.
O Brasil registrou em agosto 68 mil focos de incêndio. De acordo com o monitoramento realizado pelo Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), este é o maior número para o mês desde 2010 e o 5º pior da série histórica, iniciada em 1998. Em comparação ao mesmo mês de 2023, o aumento foi de 144% e, segundo o Ibama (Instituto Brasileiro de Meio Ambiente), a situação deve continuar crítica, principalmente nos biomas da Amazônia Legal e Pantanal, já que tradicionalmente, o pico dos incêndios costuma ser registrado no mês de setembro.
No dia 30 de agosto, o Mato Grosso declarou situação de emergência no estado pelo período de 180 dias, em decorrência da seca severa e dos incêndios florestais que atingem a região. É importante lembrar que o estado é o maior produtor de soja, milho e algodão, a unidade da federação com maior valor de produção agrícola. Em 2022, a produção do estado gerou R$ 174,8 bilhões, um acréscimo de 15,2%. Mato Grosso é o estado com a maior produção de bovinos no país, com 9,5 vezes mais cabeças de gado do que habitantes, conforme os dados divulgados pela mais recente Pesquisa da Pecuária Municipal (PPM), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Em 2022, o estado tinha 34,2 milhões de cabeças de gado, o que representava 14,6% do rebanho nacional.
Assim como o Mato Grosso, os principais estados produtores de alimentos também enfrentam situação ambiental crítica, como o Mato Grosso do Sul, Goiás, Minas Gerais, São Paulo, Paraná e outras regiões de grande produção agrícola. Apesar da deflação neste mês de agosto, quando a inflação oficial do Brasil recuou 0,02%, ante alta de 0,38% em julho, segundo dados apresentados nesta terça-feira (10) pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), um impacto nos preços dos alimentos deve elevar as pressões sobre os preços em setembro. É preciso esclarecer que o resultado abaixo da projeção de alta de 0,02% foi estimulado pela queda de 2,77% no preço das contas de luz em agosto. Em setembro, com a bandeira vermelha 1, as contas ficarão mais caras, somando-se às perdas no campo.
Fonte: Inpe
A elevação nos preços dos alimentos é sempre o vilão da inflação que atormenta as famílias brasileiras, forçando o mercado a reajustar suas estratégias e os consumidores a adaptar seus hábitos de compra. Apesar da inflação estar dentro do limite acima da meta (1,5 acima de 3%), o aumento nos preços se dá pela relação direta entre oferta e demanda, que em decorrência das queimadas, afetará principalmente a disponibilidade de produtos como arroz, feijão, soja e açúcar, resultando em aumento dos custos da logística e comercialização. Os mais afetados são os brasileiros das classes C e D, pois em termos de renda, quanto menor for esta, maior é a parte destinada para a alimentação.
O IPCA (índice de preços ao consumidor amplo), tem por objetivo medir a inflação de um conjunto de produtos e serviços comercializados no varejo referentes ao consumo pessoal das famílias. Dentre os nove grupos de itens que o compõem, os gastos com alimentação e bebidas representam 20,2% do cálculo, ou seja, um aumento no preço dos alimentos reflete num aumento do IPCA e, em decorrência, um aumento na inflação.
O preço de produtos essenciais, como açúcar, feijão e carne, tem sofrido aumentos consideráveis, refletindo a escassez de oferta e os prejuízos causados aos produtores. O açúcar cristal e refinado está entre os produtos mais afetados. Com áreas de cultivo de cana-de-açúcar sendo devastadas pelo fogo, o preço do açúcar subiu expressivamente na Bolsa de Valores. Este impacto será sentido tanto no mercado interno quanto nas exportações, que representam 75% da produção de açúcar do país. Como maior produtor mundial de cana-de-açúcar, o Brasil lidera as exportações no setor, que já atingiram U$ 8,69 bilhões neste ano. Outro alimento que enfrenta alta de preços é o feijão, cuja inflação pode chegar a 40% até o final do ano. O repasse dos custos para o consumidor final é inevitável, embora não haja previsão de falta do produto nos supermercados.
Frutas como laranja, melancia e banana também estão enfrentando aumentos. A baixa safra prevista e os estoques reduzidos de suco de laranja, conforme análise da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), devem manter os preços altos por mais tempo. A irregularidade das chuvas prejudicou o desenvolvimento das bananas, enquanto a produção de melancia, especialmente em São Paulo e Goiás, enfrenta perdas devido aos extremos climáticos. No setor de hortaliças, produtos como cenoura e tomate, que já possuem ciclos de alta e baixa, podem sofrer ainda mais com a seca prolongada, afetando as lavouras sem sistema de irrigação adequado.
O preço da carne bovina deve subir devido à escassez de pasto seco, o que força os pecuaristas a complementar a alimentação do gado com ração, elevando os custos de produção. No atacado, a arroba do boi gordo pode aumentar em 2,47%. O impacto será sentido também no preço do leite e derivados, como manteiga e requeijão. Outro aspecto a ser considerado é o aumento na demanda por outras carnes, como suína e de frango.
Mesmo com a deflação de agosto, o “Boletim Focus”, divulgado na primeira semana de setembro, elevou a estimativa de inflação para 2024. Com isso, a expectativa dos analistas para a inflação de 2024 continua se distanciando da meta central de inflação (3%) e se aproximando do teto definido pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), de 4,5%.