RETOMADA CUNHAMBEBE: em Mangaratiba, Rio de Janeiro, 30 nações indígenas retomam território originário e reafirmam a defesa da Mata Atlântica

Secom CONAFER

Na semana de Defesa da Mata Atlântica, 500 indígenas de 30 nações originárias completam um mês da Retomada de Cunhambebe Pindorama, território pertencente aos seus ancestrais, área atual do Parque Estadual Cunhambebe, em Mangaratiba, no Rio de Janeiro. Historicamente, na colonização brasileira, os portugueses enfrentaram no litoral sul fluminense o grande líder tupinambá, Cunhambebe, que junto com chefes de seis aldeias diferentes se juntaram para formar a Confederação dos Tamoios em defesa de seu território. O mesmo território hoje retomado pelos Pataxó, Aimoré, Kadiweu, Kaiapo, Baré, Baniwa, Kariri, Kariri Sapuya, Krenak, Kuikuro, Xavante, Kamakã Mongoio, Kambiwá, Borum, Bainã, Tupinambá, Munduruku, Arapiuns, Yanomamy, Xukuru, Maytapu, Tupiniquim, Tapuia e outras nações dos povos originários. Os líderes destas etnias negociam com órgãos públicos, como o Instituto Estadual do Ambiente (Inea) e a Fundação Nacional do Índio (Funai), o processo de demarcação e futura gestão do Território Cunhambebe Pindomara. No passado, antes do genocídio e tomada das terras indígenas à custa do sangue de milhões de parentes e uma série de vírus trazidos pelos europeus, pindorama era o local mítico dos povos tupis-guaranis, uma terra original, livre dos males da usurpação, escravização e assassinatos a que foram submetidos os ancestrais originários. Com uma proposta de governança baseada no desenvolvimento socieconômico e cultural das comunidades de agricultores familiares e aldeias indígenas presentes no Território de Cunhambebe, a Retomada realiza uma reparação histórica de resgate do mundo original

Está escrito na Constituição Federal, em seu artigo 231, que “são reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens”. Apoiar a garantia dos direitos dos povos originários é um dever da CONAFER, pois todos os indígenas são reconhecidos como agricultores familiares pela Lei da Agricultura Familiar, a Lei nº 11.326, de 2006.

Dados do IGBE apontam que 8 milhões de indígenas viviam no Brasil antes da invasão dos europeus. Pois, se o território era habitado por mais de mil tribos diferentes, de Norte a Sul do território original, não houve descobrimento destas terras, mas uma tomada à força de um território por uma nação imperialista em sua época. Por isso, a Retomada de Cunhambebe é uma causa legítima. Como reconhece o artigo 232 da Constituição, “os índios, suas comunidades e organizações são partes legítimas para ingressar em juízo em defesa de seus direitos e interesses, intervindo o Ministério Público em todos os atos do processo”.

Existindo e resistindo, 1 milhão de indígenas vivem hoje no Brasil. 500 mil aldeados e 500 mil em áreas urbanas, muitos em condições de subemprego e escravização no trabalho, alijados de suas terras ancestrais. Cada brasileiro é herdeiro da luta pela defesa dos territórios dos povos que originaram nosso país, povos formadores da nossa cultura, da nossa língua, tradições culinárias e valores que nos inspiram diariamente a preservar o meio ambiente.

A luta indígena tem mobilizado todo o país

Em junho de 2021, nações indígenas chegaram de diversas partes do país a Brasília para defenderem os seus direitos constitucionais, todos colocados em risco por um projeto de lei, o PL 490, aprovado na Comissão de Constituição, Cidadania e Justiça (CCJ)por 40 votos a 21. E com risco de ser legitimado pela Câmara, sem audiência pública, criando o pernicioso marco temporal, que na prática anula todas as demarcações de territórios indígenas a partir de 1988. E ainda exige a a comprovação da posse da terra no dia da promulgação da Constituição Federal.

São muitas frentes de defesa dos direitos, sempre com projetos de leis e julgamentos do STF, com aprovações e decisões que geram grande instabilidade e vulnerabilidade às nações indígenas. Como é o caso dos Xokleng, uma etnia quase dizimada no século passado, e que segue na luta por sua existência em Santa Catarina, sendo alvo de uma decisão no julgamento da Terra Indígena Ibirama La-Klãnõ pelo STF, de quem se espera um ato de justiça com a história deste povo, e consequentemente, criando uma jurisprudência capaz de derrubar qualquer tentativa de avanço do famigerado PL 490 no Congresso.

“Indígenas durante mobilização Retomada Cunhambebe. Foto: Ciman Fredini/UNI/Reprodução”

A TI Ibirama-Laklãnõ está localizada entre os municípios de Doutor Pedrinho, Itaiópolis, Vitor Meireles e José Boiteux, 236 km a noroeste de Florianópolis (SC). A área tem um longo histórico de demarcações e disputas, que se arrasta por todo o século XX, no qual foi reduzida drasticamente. Foi identificada por estudos da Fundação Nacional do Índio (Funai) em 2001, e declarada pelo Ministério da Justiça, como pertencente ao povo Xokleng, em 2003. Com o status de repercussão geral, a decisão do STF será o Norte para a gestão federal e todas as instâncias da Justiça sobre procedimentos demarcatórios, anulando antecipadamente qualquer tentativa de inclusão do marco temporal. O julgamento já foi suspenso diversas vezes por pedidos de destaque dos ministros. Em breve, o ministro Luiz Fux deve colocar novamente na pauta do STF.

Em cortes internacionais, os direitos dos povos originários têm obtido legitimidade, como foi o caso dos Xukuru do Ororubá, no agreste de Pernambuco, que tiveram uma vitória histórica, quando o governo brasileiro foi obrigado a depositar na conta da Associação Xukuru, que representa quase 12 mil pessoas de 24 aldeias, uma indenização de US$ 1 milhão. O povo Xukuru conquistou o direito a esse valor por reparações históricas após condenação do governo brasileiro pela Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH).

Assim, a luta dos povos originários é também uma luta da CONAFER. Estamos juntos, apoiamos e defendemos os povos indígenas em suas aspirações e direitos. E nos aliamos como bravos guerreiros na defesa das suas causas, principalmente o direito à proteção dos seus territórios, à autodemarcação, à liberdade de expressão e preservação da sua rica cultura.

Para atuar mais diretamente nas causas indígenas, a CONAFER tem secretarias voltadas para as questões dos povos originários, atuando desde o fomento à produção nos territórios com suas diversas culturas agroecológicas, e também no estímulo à cultura e às tradições. A Confederação já emitiu Nota de Apoio ao processo de Retomada do Território Cunhambebe Pindorama.

Leia aqui a íntegra da Nota de Apoio da CONAFER:

“NOTA DE APOIO À RETOMADA DO TERRITÓRIO CUNHAMBEBE PINDORAMA”
“A CONAFER, Confederação Nacional dos Agricultores Familiares e Empreendedores Familiares Rurais do Brasil, manifesta integral apoio à Retomada do Território Cunhambebe Pindorama, em Mangaratiba, Rio de Janeiro, reconhecendo o direito de 30 nações indígenas reconquistarem os habitats naturais de seus ancestrais, retirados ao longo de 500 anos a custa de genocídios, invasão de suas terras e tentativa de anulação da cultura milenar dos povos originários.

A CONAFER, entidade fundada em 2011, estrutura-se por meio de Secretarias Nacionais, Coordenações Regionais, Sindicatos e Federações, dando voz e atuando pela autonomia dos agricultores familiares brasileiros, responsáveis por 70% da produção de alimentos que o Brasil consome. Conforme a Lei da Agricultura Familiar nº 11.326, de 2006, que transformou a agricultura familiar em segmento econômico e estabeleceu as categorias agrofamiliares, a Confederação promove o desenvolvimento socioeconômico e cultural de camponeses, extrativistas, quilombolas, posseiros, ribeirinhos, assentados, acampados, pecuaristas, lavouristas, pescadores e indígenas, em todo o território brasileiro.

Portanto, a CONAFER, como representante de milhares de agricultores familiares indígenas, e também por considerar justa esta causa histórica, afirma categoricamente que apoia a Retomada do Território Cunhambebe Pindorama, pois os seus objetivos contemplam o compromisso permanente com a preservação da sua fauna e flora, o respeito à biodiversidade da região, desenvolvimento econômico e proteção social das aldeias e comunidades indígenas presentes em Cunhambebe, exercendo uma governança indígena baseada na identidade cultural, práticas agroecológicas e gestão territorial sustentável”.