Denis Dana/Assessoria de Comunicação da EESC-USP
Considerada a segunda principal causa de morte no mundo, com mais de 10% dos óbitos, e a principal causa de incapacidade permanente, com mais de 15 milhões de novos casos a cada ano e 50 milhões de sobreviventes, a maioria com sequelas, de acordo com a Organização Mundial de Saúde, o Acidente Vascular Cerebral (AVC) extrapolou as fronteiras da Medicina e tem sido tema de estudos e pesquisas também na área da Engenharia, com o objetivo de desenvolver opções cada vez mais sofisticadas e assertivas de recuperação às vítimas.
“Anklebot em teste no Laboratório de Reabilitação Robótica da EESC“
É nesse campo do conhecimento que a terapia robótica ganhou força e vem sendo inserida no tratamento de pessoas que sofreram AVC. Para aprimorar os dispositivos utilizados nessa terapia complementar, cerca de 15 pesquisadores do Laboratório de Reabilitação Robótica, do Centro de Engenharia Aplicada à Saúde (CEAS) da Escola de Engenharia de São Carlos (EESC) da USP, que atua nessa área de conhecimento desde 2006, estão conduzindo um projeto que propõe desenvolver e avaliar estratégias adaptativas híbridas para a reabilitação robótica do caminhar, em pacientes hemiparéticos, reduzindo assim suas limitações pós-AVC. O grupo é formado por alunos de pós-graduação (mestrados/doutorados), pós-doutorados, bem como alunos de Iniciação Científica.
Com o dispositivo robótico de tornozelo chamado Anklebot®, desenvolvido no MIT (Massachusetts Institute of Technology) pelo Prof. Hermano Igo Krebs, os pesquisadores avaliam e definem os algoritmos de controle adaptativos e novas interfaces de comunicação entre o usuário e o sistema de exoesqueleto, de modo a investigar o desempenho neuromuscular e funcional dos indivíduos e facilitar os movimentos do tornozelo. O dispositivo permite maior controle na assistência durante os movimentos, boa dinâmica na terapia, por meio da repetitividade de tarefas, além de maior motivação durante o treinamento através do uso de jogos interativos e a redução de custos nos cuidados de saúde.
“Em função das características particulares de cada paciente ou dos diferentes comportamentos dinâmicos de uma mesma pessoa durante a interação com exoesqueletos, estratégias adaptativas e robustas podem fornecer um tratamento específico que se adapte a estas necessidades e mudanças. Como forma de potencializar essas estratégias, a associação de dispositivos robóticos com terapias alternativas como sistemas de Realidade Virtual (RV) e Estimulação Elétrica Funcional (FES, do inglês Functional Electrical Stimulation) pode ser uma metodologia adicional ao tratamento fisioterapêutico convencional. Como sistemas robóticos de reabilitação usam principalmente algoritmos assistivos, a associação com um programa baseado em RV pode estimular o paciente a melhorar seu próprio desempenho motor”, explica Adriano Almeida Gonçalves Siqueira, professor do Departamento de Engenharia Mecânica da EESC e coordenador do projeto.
Estratégias adaptativas
As estratégias adaptativas propostas no projeto baseiam-se principalmente no esforço que o paciente realiza durante o processo de reabilitação, que pode ser estimado a partir dos torques e dos parâmetros de impedância (rigidez e amortecimento) das articulações da pessoa. A estimativa do torque do paciente pode ser realizada diretamente utilizando sensores de força, como células de carga multieixos, ou indiretamente, utilizando outras fontes de informação, tal como o torque fornecido pelo exoesqueleto. Nesse caso, a vantagem desta abordagem está em não ser necessária a utilização de sensores de força, diminuindo assim o custo final do sistema.
O projeto contempla o desenvolvimento e a integração de alguns sistemas, cada um cumprindo sua função, em um framework de reabilitação com exoesqueletos. O Sistema Integrado de Realidade Virtual e Exoesqueletos de membros inferiores, por exemplo, utiliza um equipamento de realidade virtual HTC Vive para interagir com os exoesqueletos existentes no laboratório. Nesse sentido, explica Siqueira, “são criados ambientes virtuais, considerando a caminhada em esteira e no solo, de modo que as estratégias adaptativas propostas sejam avaliadas em um ambiente imersivo. Para isso, usamos técnicas que garantem uma movimentação ampla no ambiente virtual, mesmo que o usuário caminhe sobre a esteira ou no solo em ambiente limitado, conceito chamado de Caminhada Infinita”.
Também são utilizadas técnicas que simulem, através da interação do exoesqueleto com o usuário, diferentes condições de contato com o ambiente virtual. Por exemplo, os atuadores do exoesqueleto podem simular um amortecimento maior quando, no ambiente virtual, o usuário estiver caminhando dentro de uma piscina.
Outro recurso inserido no projeto é o Sistema de Identificação das Fases do Caminhar, que conta com um dispositivo com uma unidade inercial de medida e sensores de contato. O coordenador do grupo de pesquisadores descreve: “Podemos usar abordagens de aprendizado supervisionado e não supervisionado. No primeiro caso, utilizamos classificadores lineares paramétricos para a detecção e algoritmos de aprendizado supervisionado, como Máquinas de Vetores de Suporte, Algoritmos Genéticos e Recozimento Simulado, que servem para otimizar esses parâmetros. Também podem ser utilizados algoritmos não supervisionados adaptativos baseados, por exemplo, em Modelos Ocultos de Markov (HMM, do inglês Hidden Markov Models)”.
O framework em desenvolvimento contempla ainda o Sistema de Estimativa da Fadiga Muscular gerada pela aplicação de FES, baseada nos valores estimados dos torques ativos do paciente, dos parâmetros de rigidez e amortecimento fornecidos pelo sistema de Modelos de Interação Paciente/Exo e dos sinais de eletromiografia (EMG). “As estimativas de torque e dos parâmetros de rigidez e amortecimento são realizadas considerando as metodologias do Momento Generalizado, do filtro de Kalman e possíveis combinações entre estas e outras abordagens”, esclarece Siqueira.
Para efeitos de otimização, o framework também conta com o Sistema de Controle Adaptativo de FES. Neste sistema, as informações geradas pelos sistemas de identificação das fases do caminhar e de estimativa da fadiga são utilizadas para definir, de forma adaptativa e considerando soluções ótimas, os períodos e as intensidades de aplicação de FES.
Apoio e próximos passos
A evolução do projeto conta com uma rede fundamental de apoio. O dispositivo robótico Anklebot foi adquirido em 2012 com recursos da Pró-Reitoria de Pesquisa durante a criação do Núcleo de Estudos Avançados em Reabilitação (NEAR), formado por professores da EESC/USP, da Faculdade de Medicina, da Escola Politécnica e da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH – USP Leste), entre outros institutos da universidade.
Ao longo dos últimos anos, o Laboratório de Reabilitação Robótica teve apoio da CAPES, CNPq e, principalmente, da FAPESP, por meio de projetos regulares, incluindo este projeto atual, que se encontra em fase de finalização das ferramentas de interação entre o paciente e o robô.
“Já realizamos testes com pessoas hígidas, ou seja, sem patologia, e estamos evoluindo para a realização de testes piloto com pacientes para, na sequência, realizarmos testes clínicos com pacientes, que contarão com o apoio de fisioterapeutas, em especial, da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), em mais uma importante parceria”, destaca Siqueira.
“Voluntário durante teste do Anklebot“
Confiante no avanço do projeto, o coordenador conclui: “A ideia geral dos estudos de Reabilitação Robótica é proporcionar ao paciente uma recuperação mais rápida dos movimentos perdidos devido ao AVC, utilizando estratégias de interação entre ele e o robô que sejam seguras e eficientes. É o que acreditamos acontecer neste nosso estudo, que soma como mais uma vantagem a possibilidade de identificar as deficiências específicas de cada pessoa e configurar o robô de forma a tratá-las de maneira personalizada, o que pode acelerar o processo de recuperação e, naturalmente, garantir mais qualidade de vida ao paciente”.