Carlos Madeiro/UOL
A Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) concedeu no último dia 24 a licença de localização para a instalação da maior unidade de beneficiamento de urânio no país, planejada para ser erguida em Santa Quitéria (CE), a cerca de 220 km de Fortaleza. Agora, os estudos seguem para conferir a segurança nuclear e radiológica do empreendimento.
Entretanto, o avanço de etapa aumentou o temor de moradores vizinhos do local e entidades, que lutam contra a instalação do empreendimento. O receio é que a radiação na região — que já tem locais acima da média pela própria presença do minério — cresça a níveis problemáticos. Além disso, preocupa o uso de grande quantidade de água na unidade.
A usina deve ser operada pela INB (Indústrias Nucleares do Brasil) e pela Galvani Fertilizantes, que juntos formam o consórcio Santa Quitéria. Os empreendedores dizem que não há riscos e que o projeto é seguro (leia nota ao final do texto). Hoje a exploração de urânio no país ocorre apenas em Caetité (BA) —antes houve em Poços de Caldas (MG).
Segundo a CNEN, com essa autorização, o consórcio pode iniciar os preparativos para a construção da unidade. O projeto prevê explorar a área da fazenda Itatiaia (com 4.042 hectares) tirando fosfato (reservas de 8,9 milhões de toneladas) e urânio (80 mil toneladas) por duas décadas. Para isso, o consórcio prevê um investimento de R$ 2,3 bilhões.
“A concessão foi realizada após avaliação do Relatório do Local pelo corpo técnico da CNEN de diversos aspectos, incluindo geográficos, geológicos, hidrológicos, hidrogeológicos, geotécnicos, sismológicos, meteorológicos, de processos operacionais, de gerência de rejeitos e de proteção radiológica ambiental. A CNEN considerou que o Requerente, nesta primeira etapa, atendeu de forma satisfatória os requisitos” – diz o CNEN.
Medo em Santa Quitéria
Segundo Patrícia Gomes, 32, filha de agricultores e que mora no assentamento Queimadas, a cerca de 4 km da jazida, a população ficou abatida com a notícia da aprovação da licença. “Recebemos com muita tristeza, mas já sabíamos da sinalização positiva da CNEN. Eles são favoráveis ao projeto, e desde as audiências públicas a gente já vem notando isso” – disse a moradora da região, Patricia Gomes.
Na região há agricultores familiares e pequenos pecuaristas, que produzem alimentos e criam animais. A maior esperança dos moradores para que o projeto seja enterrado está no Ibama, que dará (ou não) o parecer final. “A gente está nesse fio de esperança e de credibilidade no servidor público imparcial para que esse projeto de morte ele seja enterrado de vez. Resistimos em defesa da vida, da biodiversidade e dos nossos recursos hídricos já são tão escassos” – acrescenta a moradora.
Procurado, o Ibama informou que atualmente a equipe técnica “avalia a conformidade do EIA/Rima (Estudo de Impacto Ambiental/Relatório de Impacto Ambiental) do projeto”. Essa é a terceira tentativa do consórcio, após duas frustradas, em 2004 e 2014. Essa análise, diz o órgão, anda em paralelo e independentemente das emissões da licença da CNEN para o projeto.
“Assim que o estudo ambiental for recebido, o Ibama iniciará a análise do mérito do EIA/Rima, seguindo o procedimento de licenciamento conforme estabelecido para a fase de análise da Licença Prévia” – diz o Ibama.
Risco de faltar água?
Pedro D’ Andrea, da direção nacional do MAM (Movimento pela Soberania Popular na Mineração), questiona a necessidade de o país ter mais uma unidade de exploração de urânio. “Os cenários oficiais apontavam que as cargas e recargas de Angra 1 e 2, somadas à finalização de Angra 3 e acrescidas da implantação de novas centrais nucleares, aumentaria a demanda brasileira para mil toneladas até em 2031. Mas o PAC deixou de fora a finalização das obras de Angra 3”, disse.
Ele reforça ainda a histórica carência de água na região. Pedro ainda diz que o governo deixou claro que apoia o projeto, já que o Brasil fechou acordo de cooperação nuclear recente com a França. “A recente vinda ao Brasil do presidente francês Emmanuel Macron cai como uma luva na infraestrutura energética francesa, que via a possibilidade das luzes se apagarem na Europa em razão das constantes negativas do Niger em vender urânio. A França precisava buscar urânio em outro país” – relata, Pedro D’ Andrea, do MAM (Movimento pela Soberania Popular na Mineração).
Comissão pediu veto a unidade
Em 2022, o CNDH (Conselho Nacional de Direitos Humanos) publicou um extenso relatório apontando problemas e sugerindo que os licenciamentos não fossem concedidos. Para o órgão federal, faltam dados claros sobre radiação e cita como exemplo a proibição de acesso aos três túneis que foram feitos ainda nos anos 1980 para prospecção no projeto-piloto.
“Não se sabe a dimensão dos túneis. Não chegamos nem sequer a uma distância de 100 metros, porque informaram que havia risco pela radiação”, afi o advogado Everaldo Patriota, um dos conselheiros que foi a Santa Quitéria. O professor da Universidade Estadual Vale do Acaraú, Emerson Ferreira de Almeida, acompanhou a comitiva e diz que a radiação nesses túneis deve ser 50 vezes maior do que num ambiente normal.
“Em Santa Quitéria, temos urânio, mas temos alguns elementos que são ainda mais energéticos do que ele. Isso faz a radiação ser mais alta” – afirma o professor.
Consórcio diz que ‘projeto será seguro’
O consórcio não respondeu ao UOL sobre a aprovação de licença da CNEN. Em novembro de 2022, o Consórcio Santa Quitéria afirmou à reportagem que “o empreendimento será seguro e não representará danos à saúde dos trabalhadores e das pessoas que moram nas localidades vizinhas”.
“Todos os possíveis impactos ambientais foram estudados, e medidas para reduzi-los, controlá-los e mitigá-los serão implementadas. Em todas as fases do empreendimento, para assegurar que a saúde pública e o meio ambiente sejam preservados, os parâmetros ambientais e radiológicos serão rigidamente monitorados e fiscalizados pelos órgãos reguladores”.
Sobre o uso de água, afirmou que, “em caso de escassez, a lei prevê prioridade para o abastecimento humano e animal”. “O projeto não vai contaminar a água, o ar, o solo nem as lavouras ou as criações de animais da região”, diz. Também disseram que os níveis de radiação durante a operação não serão prejudiciais à saúde dos trabalhadores e das populações locais.
“Ratificamos que o propósito do Consórcio é implantar um empreendimento com adoção das melhores práticas empresariais, alinhadas aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU”.