Prefeitura cria lei, autoriza ocupação de área rural e ingressa com reintegração de posse

“famílias foram autorizadas por lei municipal e corre risco de desalojamento”

José Carlos Bossolan

Parece uma falta de comunicação entre quem por anos utilizou-se do mesmo espaço físico, que pode afetar a vida de quase duas dezenas de pessoas. Isso mesmo, de um lado o executivo municipal e do outro a procuradoria Jurídica do município, sem se falarem ou checarem a dosimetria da ação, e no meio disso tudo o povo (vitima da ação).

Não é o povo invasor, mas munícipes que ingressaram em área pública com autorização de lei municipal.  Em uma “brilhante iniciativa” de ingressar com reintegração na posse (1000019-19.2020.8.26.0024), a Prefeitura de Castilho, protocolou em 07 de janeiro de 2020, pedido de liminar para desalojar 13 famílias de sem terra, dos quais 08 crianças em idade escolar e um casal de idosos (69 e 65 anos) que ocupam a área rural da antiga fecularia de Castilho. 

Ocorre que no dia 20 de dezembro de 2019 (11 dias antes do pedido da ação), a prefeita de Castilho à época, Fátima Nascimento sancionou a Lei Municipal 2860/19, permitindo o uso da área pelas famílias pelo prazo de 10 anos (120 meses), de forma gratuita, como forma de inclusão social das famílias ligadas a FNL (Frente Nacional de Lutas – Campo e Cidade). 

Ao se instalarem na área registrada sob a matrícula 23.120, valendo ressaltar, com anuência legal do poder público municipal, às famílias fizeram suas benfeitorias, casas, plantações perenes e temporárias, tanto como forma de renda, e subsistência.

O jurídico municipal, se norteando pelo Boletim de Ocorrência 1038/19 confeccionado em 11/12/19, peticionou o pedido judicial em 07 de janeiro do ano passado,  mesmo já em vigor a lei municipal que permitia a fixação das famílias na área, dando impressão que o jurídico e secretaria do município não compartilhavam das mesmas informações, sendo desnecessário os procuradores municipais terem perdido tempo em ingressar com a ação.

Instigado, em 27 de janeiro do ano passado, o juiz da 1ª Vara da Comarca de Andradina Jamil Nakad Junior, deferiu a liminar de reintegração na posse pleiteada pela Prefeitura, inclusive se necessário o uso de força policial. Entretanto o oficial de justiça não conseguiu cumprir a liminar e em decorrência da pandemia, os processos de reintegração na posse foram suspensos.

No dia 14 de janeiro deste ano, o juiz reiterou o mandato. A coordenadora Nacional da FNL, Lucimar Rosa da Silva – Lú da FNL, disse em contato com a reportagem do O Foco, que aguarda a suspensão da reintegração na posse e que a advogada das famílias já havia apresentado contestação, levando ao conhecimento do judiciário a lei municipal, autorizando a permanência das 13 famílias no local e assim, suspender a liminar e rejeitar a ação.

HISTÓRIA

A qualificação argumentada pela procuradoria jurídica da Prefeitura de Castilho é o mesmo utilizado por um departamento federal em um esbulho possessório em 1995 no Estado de Minas Gerais – “inaudita altera pars e pena para a hipótese de esbulho, na forma da lei, em face dos INVASORES, cujos nomes e qualificações são desconhecidos pelo autor, porém encontráveis, na área da “Fecularia de Castilho”, objeto da matrícula nº 23.120 do Serviço de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Andradina, Estado de São Paulo, pelas razões de fato e de direito que passa a expor” .

“E aqui estou eu, com o destino de centenas de miseráveis nas mãos. São os excluídos, de que nos fala a Campanha da Fraternidade deste ano. Repito, isto não é ficção. É um processo. Não estou lendo Graciliano Ramos, José Lins do Rego ou José do Patrocínio. Os personagens existem de fato. E incomodam muita gente, embora deles nem se saiba direito o nome. É Valdico, José Maria, Gilmar, João Leite (João Leite ???). Só isso para identificá-los. Mais nada. Profissão, estado civil (CPC, artigo 282, II) para quê, se indigentes já é qualificação bastante?… O Município foge à responsabilidade “por falta de recursos e meios de acomodações… Daí, esta brilhante solução: aplicar a lei. Só que, quando a lei regula as ações possessórias, mandando defenestrar os invasores (artigos 920 e seguintes do CPC), ela – COMO TODA LEI – tem em mira o homem comum, o cidadão médio, que, no caso, tendo outras opções de vida e de moradia diante de si, prefere assenhorar-se do que não é de lei, por esperteza, conveniência, ou qualquer outro motivo que mereça a censura da lei e, sobretudo, repugne a consciência e o sentido do justo que os seres da mesma espécie possuem. Mas este não é o caso no presente processo. Não estamos diante de pessoas comuns, que tivessem recebido do Poder Público razoáveis oportunidades de trabalho e de sobrevivência digna (v. fotografias). Não. Os “invasores” (propositadamente entre aspas) definitivamente não são pessoas comuns, como não são milhares de outras que “habitam” as pontes viadutos e até redes de esgoto de nossas cidades. São párias da sociedade (hoje chamados excluídos, ontem de descamisados), resultado do perverso modelo econômico adotado pelo país” – escreveu o juiz federal da 8ª Vara de Belo Horizonte, Antônio Francisco Pereira, em uma ação de reintegração proposta pelo DNER (Departamento Nacional de Estradas de Rodagem), contra um grupo de sem terras em 1995.

O juiz federal ainda alertou, embora os casos sejam distintos – “Num dos braços a Justiça empunha a espada, é verdade, o que serviu de estímulo a que o Estado viesse hoje a pedir a reintegração. Só que, no outro, ela sustenta a balança, em que pesa o direito. E as duas – lembrou RUDOLF VON IHERING há mais de 200 anos – hão de trabalhar em harmonia: A espada sem a balança é força brutal; a balança sem a espada é a impotência do direito. Uma não pode avançar sem a outra, nem haverá ordem jurídica perfeita sem que a energia com que a justiça aplica a espada seja igual à habilidade com que maneja a balança”.

MANIFESTAÇÕES

A reportagem do O Foco entrou em contato com a assessoria de imprensa do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, e foi informado que ainda há prazo para contestação no processo.

Em contato telefônico com nossa reportagem, o assessor de Relações Institucionais da Prefeitura de Castilho, dr. Jamil Kassab, informou que tão logo a administração municipal seja notifica, irá se manifestar nos autos, mas já adiantou que o prefeito Paulo Boaventura não tem interesse em retirar às famílias do local.

Na terça-feira (16), o juiz abriu para manifestação da Prefeitura pelo prazo de 15 dias.