” ministro participou do seminário “Liberdade de imprensa: onde estamos, para onde vamos”, promovido pelo CNJ”
Assessoria de Comunicação/ANJ
A Associação Nacional de Jornais (ANJ) participou, na segunda-feira (25), do seminário “Liberdade de imprensa: onde estamos, para onde vamos”, promovido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), com apoio da associação. No encontro, o vice-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luís Roberto Barroso, que toma posse na presidência da Corte nesta quinta-feira (28), defendeu que as plataformas digitais passem a remunerar o jornalismo pela produção de conteúdo.
“Eu sou totalmente a favor do compartilhamento de receitas entre as plataformas digitais e a imprensa tradicional. Pela razão singela de que as plataformas digitais não produzem uma linha de conteúdo. Elas veiculam o conteúdo que é produzido pela imprensa tradicional”, afirmou. Ao fazer a última palestra do seminário, intitulada “Poder Judiciário, Liberdade de expressão e combate à desinformação”, Barroso destacou as principais transformações provocadas pela revolução tecnológica, seus impactos e suas consequências.
Ele ressaltou que há em curso uma democratização do acesso à informação, mas que vem acompanhada de muitos desafios, como a larga escala com que informações falsas são disseminadas por meio de plataformas digitais, e a necessidade de educação midiática para barrar sua proliferação.
“O primeiro subproduto extremamente preocupante é a circulação, sem filtro, da informação, o que implica na circulação, sem filtro, da desinformação, das mentiras deliberadas, dos assassinatos de reputação, das teorias conspiratórias. O espaço público passou a ser um local de manifestação de todo tipo de barbaridade e incivilidade”, afirmou.
Antes da revolução digital, de acordo com o ministro, o acesso ao espaço público era mediado pela imprensa tradicional, como a televisão, o rádio e a imprensa escrita. “Dentro do modelo anterior, havia um controle editorial mínimo daquilo que chegava ao espaço público. Inclusive, com a possibilidade de responsabilização no que se refere às informações que chegavam às pessoas”, lembrou.
Tribalização da vida
A segunda consequência negativa, segundo Barroso, foi a “tribalização da vida” provocada pelos algoritmos, que ora moderam o conteúdo, ora o direcionam conforme os interesses dos usuários das redes. “As pessoas passaram a receber notícias que confirmam suas convicções. Essa realidade nos leva a um problema sério de viés de confirmação. Em termos políticos, isso se torna problemático, pois se as pessoas apenas ratificam aquilo que pensam, se radicalizam, intensificam a polarização, aumentam a intolerância e, para a violência, é só um passo”, ponderou.
O ministro também analisou a crise no modelo de negócio do jornalismo tradicional, gerada pela migração dos veículos tradicionais para as plataformas digitais. Barroso ressaltou que a imprensa, embora seja um negócio privado – o que, reforçou, é essencial em uma democracia – também desempenha um grande papel de interesse público, como um grande universo de fatos comuns, compartilhado pelas pessoas. “A partir desses fatos é que as pessoas têm a possibilidade de formar suas opiniões. Muitos meios de comunicação geram pluralidade, mas a ética jornalística impõe uma distinção muito grande entre fato e opinião”, enfatizou.
Nesse universo de revolução tecnológica, a narrativa falsa, disse o ministro, passou a ser narrativa política e mentir passou a ser algo defensável ou legítimo para sustentar um ponto de vista. “O relativo esvaziamento da imprensa tradicional é nocivo, pois perdemos o conjunto de veículos que ajudam as pessoas a trabalharem sobre fatos comuns”, refletiu.
Educação midiática
Nesse contexto, o vice-presidente do STF defendeu a educação midiática entre as medidas para fazer frente a disseminação massiva de notícias falsas. “As pessoas têm um certo desapreço, às vezes, pelas potencialidades da educação. Algum grau de repressão, para o bem ou para mal, é inevitável na vida, mas a educação resolve melhor que a repressão”, disse, acrescentando que boa parte da circulação de informação falsa é repassada de forma acrítica.
Barroso também citou a necessidade de regulação das plataformas, não somente nos aspectos econômicos e do ponto de vista da privacidade, mas também da moderação dos conteúdos e de comportamentos coordenados inautênticos. Ele também frisou ser papel do Judiciário atuar contra conteúdos socialmente rejeitados, como aqueles que atacam a integridade das eleições e da democracia e as os que geram riscos à segurança nacional e à saúde pública.
Ataques ao jornalismo
No meio da tarde, o presidente da ANJ, Marcelo Rech, conduziu o debate sobre “O jornalismo contemporâneo e os desafios da imprensa nos próximos anos”. O jornalista destacou que em todo o mundo, a liberdade de imprensa tem sido ameaçada, quer por guerras, quer por questões que impedem a sustentabilidade da mídia independente.
Rech ressaltou ainda a assimetria entre os veículos de comunicação convencionais e as big techs, especialmente no que tange à regulação publicitária. “No mundo todo, as empresas de comunicação tradicionais estão sofrendo esse ataque, perdendo muito do seu espaço e seus recursos. Não há nenhuma redação no planeta que não tenha feito reduções muito substanciais nos últimos 15 anos”, reforçou.
A questão foi ressaltada também pelo ouvidor nacional de Justiça, conselheiro Bandeira de Mello. Para ele, o jornalismo sofreu mudanças não apenas no estilo do trabalho, mas no ritmo de entrega da informação. “Esse cenário caótico é reforçado pelo surgimento das fake news, que ainda traz a descredibilização não apenas da notícia, mas dos veículos tradicionais”.
Para o jurista e ex-ministro do STF Ayres Brito, a atuação dos jornalistas deve ser vista e aplicada sob o prisma da democracia. “A imprensa é um instituto jurídico que tem assento na própria Constituição. O desafio é cumprir à risca sua matriz constitucional e contribuir para uma trajetória de vida civilizada que vai da melhor normatividade constitucional para a melhor experiência de vida, centrada na democracia”, explicou. Conforme Ayres Brito, a liberdade de imprensa representa o plano coletivo, enquanto a liberdade de expressão é individual, mas ambas são plenas e seguem o princípio basilar da democracia.
O diretor-geral de Conteúdo do Grupo BAND, Rodolfo Schneider, destacou que o papel do jornalismo profissional é levar a informação correta, o que combate a desinformação e contribui, assim, com o fortalecimento da democracia. Ele ressaltou o tipo de relação construída com a audiência que, atualmente, participa do levantamento de informações. “O trabalho hoje é muito mais de filtrar os dados. A imprensa tem a responsabilidade de apurar o que é verdade e o que não”, ressaltou.
Segundo a presidente da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), Katia Brembatti, iniciativas como o “Projeto Comprova” são importantes para garantir a verificação dos fatos. A coalizão, que reúne 30 veículos de comunicação, realiza o trabalho de checagem e rechecagem de notícias há cinco anos. O grupo criou um protocolo de atuação, que já é referência para outros países. “Esse não é o trabalho da imprensa ao publicar uma notícia? Mas no cenário atual, especialmente no Brasil, marcado pela polarização política, é preciso cuidado extra com a informação”, afirmou.
Melhor aliado contra a desinformação
Na abertura do evento, a ministra Rosa Weber, presidente do STF e do defendeu o papel da imprensa e do jornalismo independente, livre e profissional para a democracia. “A liberdade de imprensa constitui pressuposto basilar da democracia. O jornalismo independente, livre e profissional é o maior e o melhor aliado no combate à desinformação, ao discurso de ódio e à intolerância”, afirmo.
Rosa Weber ponderou que, nos últimos anos, a sociedade tem se confrontado, no espaço público global de comunicação, com uma avalanche de desinformação e de incitação ao ódio contra os profissionais do jornalismo. “Na linha de frente contra a desinformação, a imprensa e os profissionais do jornalismo são alvos constantes da rede de ódio no Brasil”, acrescentou a ministra.
Para ela, houve uma ocupação do espaço democrático por agentes da desinformação, “determinados a manipular o pensamento individual e coletivo de modo a desacreditar as instituições políticas, fomentar a discórdia, incitar a violência e instigar todas as formas de discriminação social”. “Compreender os mecanismos pelos quais a disseminação de desinformação opera, explorando preconceitos e vieses presentes na sociedade, é um fator central para a elaboração de uma estratégia de combate eficiente”, completou Rosa Weber.
Revolução dos algoritmos
A palestra magna do seminário foi proferida pelo corregedor nacional de Justiça, ministro Luis Felipe Salomão. Ele apresentou um histórico relativo ao direito de manifestação do pensamento e ao desenvolvimento da mídia e de seus impactos na sociedade e no Judiciário. O ministro citou vários especialistas e casos ocorridos ao longo da história, entre eles o Watergate, em que foi discutida a questão da violação da privacidade, mas cujas investigações feitas pela imprensa propiciaram à sociedade americana saber que o presidente, à época, Richard Nixon, estava envolvido com ações ilegais contrárias ao Partido Democrata.
“Vivemos a revolução dos algoritmos, que vivem para juntar pessoas que pensam da mesma forma e criar os chamados filtros-bolha. Esses algoritmos podem gerar responsabilidade civil, assim como atos discriminatórios”, disse Salomão, que reforçou o reconhecimento de que não existe democracia sem um Judiciário forte e independente e uma imprensa livre. “O tempo da imprensa é diferente do tempo do juiz. A apuração da verdade tem um tempo para imprensa e outro para o juiz. […] São lados diferentes, mas da mesma moeda, e ambos indispensáveis à democracia”, defendeu o corregedor.
Ele adiantou respostas de um levantamento em produção pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) e pela Associação de Magistrados Brasileiros (AMB), entre outros parceiros, sobre moderação de conteúdo nas plataformas e decisões do Superior Tribunal de Justiça (STJ) nessa temática. O universo da pesquisa, ainda inconclusa, abrange processos de 2016 a 2023. Dos 60 recursos especiais analisados, a maioria envolve a plataforma Google (35) e Facebook (14). Os fundamentos mais pedidos foram indenização por dano à imagem (63%), discurso de ódio (15%), pornografia de vingança (13%) e direito autoral (4,3%).
Cerca de 63% das decisões estipularam uma obrigação de fazer, como, por exemplo, a determinação de retirada prévia do conteúdo ou sua desindexação. No entanto, mesmo quando acionada, a plataforma só faz a retirada do conteúdo após determinação judicial específica. “Eles não fazem o dever de casa e 82% não fazem a retirada prévia do conteúdo. É preciso a gente trabalhar isso”, disse.
Transgressão à Constituição
Coordenador do Fórum Nacional sobre Liberdade de Imprensa do CNJ, o conselheiro Mauro Martins ponderou que a liberdade de atuação da imprensa ainda não foi plenamente assimilada pelo Poder Judiciário, o que se verifica pelas inúmeras reclamações que chegam ao STF, para corrigir decisões judiciais sobre o tema. “A interdição judicial imposta a jornalistas e a empresas de comunicação social, impedindo-os de noticiar ou veicular dados relativos a práticas ilícitas ocorridas nos meios governamentais, não importando a posição hierárquica dos agentes públicos envolvidos, configura clara transgressão ao comando emergente da Constituição da República, que consagra, em plenitude, a liberdade de imprensa”, disse, ao citar a Carta Magna de 1988, que vedou qualquer censura, de natureza política, ideológica e artística.
O conselheiro afirmou que a liberdade de imprensa, como projeção da liberdade de manifestação de pensamento e de comunicação, reveste-se, entre outras prerrogativas, do direito de buscar a informação, do direito de opinar e do direito de criticar, além do próprio direito de informar. “No exercício da jurisdição, não se pode converter em prática judicial inibitória, muito menos censória, a liberdade de expressão e de comunicação, sob pena desse poder agir como uma inaceitável censura estatal”, acrescentou.
Em 2009, no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) n. 130, o Plenário do STF estabeleceu parâmetros amplos de orientação quanto ao conteúdo e a extensão das liberdades de expressão e de imprensa, assegurando a livre circulação de diferentes ideias, opiniões e pontos de vista. “A plena liberdade de imprensa é um patrimônio imaterial que corresponde ao mais eloquente atestado de evolução político-cultural de todo um povo”, lembrou Martins em referência ao voto do ministro Ayres Britto no julgamento da ADPF 130.
Assédio judicial
Durante o painel “Constituição e Liberdade de Imprensa: combate às ameaças e restrições à livre circulação de informações, opiniões e ideias”, a integrante da Comissão de Liberdade de Expressão da secional São Paulo da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/SP) Taís Gasparian discorreu a respeito do assédio judicial contra profissionais de imprensa, o que implica no mau uso do direito da ação com o intuito de inibir uma informação de interesse público.
“Jornalistas, comunicadores, são de repente assaltados por uma enxurrada de ações, por conta de alguma matéria ou de alguma notícia que publicaram”, disse ela, que é Fundadora do Instituto Tornavoz, responsável pelo custeio à defesa de jornalistas. Taís Gasparian mencionou casos como os da jornalista Elvira Lobato, que foi acionada 103 vezes, e o Ricardo Sennes, que teve de responder a mais de 90 processos.
“É uma litigância opressora. O sistema deve ser capaz de se organizar para identificar esse tipo de investida contra a liberdade de expressão”, considerou o conselheiro do CNJ e coordenador do Grupo de Trabalho com o objetivo de apresentar propostas para o enfrentamento da litigância predatória, Marcello Terto, que mediou o painel. “Temos um caminho difícil, mas, sobretudo, superável, a fazer valer a cada dia os valores fundamentais para a nossa democracia e para o nosso Estado de Direito: Justiça e imprensa”, afirmou Terto.
Desordem informacional
De acordo com o jornalista da TV Globo Júlio Mosquéra, que também participou como painelista, apesar de recentes avanços no campo jurídico, surgiram novos obstáculos à atuação da imprensa. Ele chamou a atenção para o ambiente de desinformação decorrente de uma “desordem informacional”, com a divulgação massiva em redes sociais de dados falsos, que distorcem a realidade e aprofundam preconceitos, discursos de ódio, medo e estímulo à violência.
Mosquéra enfatizou que a desinformação busca desestruturar o trabalho da imprensa, a partir da criação de mentiras e buscando desqualificar o trabalho de jornalistas. Ele referiu-se ainda a um movimento coordenado de divulgação de notícias falsas de forma massiva, seguido da tentativa de tirar a credibilidade do trabalho do profissional e do posterior questionamento judicial.
Para o professor de direito administrativo da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) Gustavo Binembojm, o movimento para que seja desacreditada a informação fornecida pelo jornalismo profissional causa danos diretos às instituições democráticas.
Ao analisar os efeitos negativos produzidos pelo novo ambiente econômico digital, de concentração nas mãos das grandes empresas de tecnologia e inovação, as big techs, ele defendeu, entre outras medidas, que critérios de moderação sejam divulgados pelas plataformas e a programação algorítmica seja sujeita a uma “accountability pública”.
Com informações do CNJ.