Militares queriam assassinar Lula, Alckmin e Moraes e monitoraram passos de autoridades, diz PF

“PF prendeu policial e quatro ‘kids pretos’ do Exército nesta terça; grupo teria tramado golpe de Estado e assassinato de autoridades para impedir posse de Lula em janeiro de 2023”

 Valdo Cruz, Reynaldo Turollo Jr, Julia Duailibi, Mateus Rodrigues, Mariana Laboissière, Daniela Lima, Gustavo Garcia/GloboNews, g1 e TV Globo 

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes tornou pública nesta terça-feira (19) a decisão que autorizou a operação da Polícia Federal que prendeu quatro militares do Exército e um agente da PF. O grupo é suspeito de tramar um golpe de Estado em 2022 para prender e assassinar Lula, então presidente eleito, seu vice Geraldo Alckmin e o ministro Moraes, que à época presidia o Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Plano de militares golpistas para assassinar Lula e Alckmin em 2022 - página 1 — Foto: PF/Reprodução

O documento cita, por exemplo, que os golpistas começaram a monitorar o deslocamento de autoridades ainda em novembro de 2022, após a eleição e antes da posse de Lula. O monitoramento teve início após uma reunião na casa do ex-ministro da Defesa Walter Souza Braga Netto, que foi candidato a vice de Jair Bolsonaro (PL), derrotado nas eleições presidenciais.

“As atividades anteriores ao evento do dia 15 de dezembro de 2022 indicam que esse monitoramento teve início, temporalmente, logo após a reunião realizada na residência de Walter Braga Netto, no dia 12 de novembro de 2022”, diz a PF no documento. A PF diz que, entre as ideias cogitadas pelo grupo, estava a de envenenar o ministro Alexandre de Moraes.

“Foram consideradas diversas condições de execução do ministro Alexandre de Moraes, inclusive com o uso de artefato explosivo e por envenenamento em evento oficial público. Há uma citação aos riscos da ação, dizendo que os danos colaterais seriam muito altos, que a chance de ‘captura’ seria alta e que a chance de baixa (termo relacionado a morte no contexto militar) seria alto”, afirma trecho.

Para os investigadores, os envolvidos admitiam inclusive a possibilidade de eles morrerem no andamento da suposta operação golpista. “Ou seja, claramente para os investigados a morte não só do ministro, mas também de toda a equipe de segurança e até mesmo dos militares envolvidos na ação era admissível para cumprimento da missão de ‘neutralizar’ o denominado ‘centro de gravidade’, que seria um fator de obstáculo à consumação do golpe de Estado”, prossegue a PF em trecho citado por Moraes.

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Kids pretos presos pela PF: Rafael Martins de Oliveira, Hélio Ferreira Lima, Rodrigo Bezerra de Azevedo e Mario Fernandes — Foto: Arquivo pessoal e Eduardo Menezes/SG/PR
“Kids pretos presos pela PF: Rafael Martins de Oliveira, Hélio Ferreira Lima, Rodrigo Bezerra de Azevedo e Mario Fernandes — Foto: Arquivo pessoal e Eduardo Menezes/SG/PR”

O grupo cogitou também “neutralizar” (assassinar) Lula e Geraldo Alckmin, então presidente e vice-presidente eleitos. Mais uma vez a hipótese de envenenamento foi levantada, segundo as investigações. “Para execução do presidente Lula, o documento descreve, considerando sua vulnerabilidade de saúde e ida frequente a hospitais, a possibilidade de utilização de envenenamento ou uso de químicos para causar um colapso orgânico”, descreve a PF.

Ainda de acordo com os investigadores, para que a tentativa de golpe tivesse êxito, os suspeitos tratavam da necessidade de também assassinar o vice-presidente Geraldo Alckmin, que assumiria a Presidência da República em caso de morte de Lula. “Já o codinome Joca, por sua vez, é uma referência ao citado vice-presidente Geraldo Alckmin. […] Como, além do presidente, a chapa vencedora é composta, obviamente, pelo vice-presidente, é somente na hipótese de eliminação de Geraldo Alckmin que a chapa vencedora estaria extinta”.

Alexandre de Moraes — Foto: Reprodução
“Alexandre de Moraes — Foto: Reprodução”

Operação para prender Moraes

Mensagens obtidas pela Polícia Federal em celulares dos militares investigados por articular um golpe de Estado em 2022 indicam que, naquele ano, o grupo chegou a se posicionar nas ruas de Brasília para uma “ação clandestina” – que teria como alvo o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes.

Pelo menos seis pessoas participaram do plano no dia 15 de dezembro daquele ano, segundo a PF. As mensagens indicam que o plano foi abortado, mas não deixam claro o motivo da desistência.

Conversa entre suspeitos de tramar golpe e prisão de autoridades — Foto: PF/Reprodução

Conversa entre suspeitos de tramar golpe e prisão de autoridades — Foto: PF/Reprodução

‘Gabinete de crise’ pós-golpe

Os militares presos nesta terça planejavam, após esse golpe que seria dado em 15 de dezembro de 2022, criar um “gabinete de crise” ainda no governo Bolsonaro como resposta às mortes de Lula, Alckmin e Moraes. Investigação da PF aponta que os golpistas previam colocar no comando do grupo de crise:

  • o general Augusto Heleno, então ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI);
  • e o general Braga Netto, ex-ministro da Defesa e da Casa Civil e candidato a vice na chapa derrotada de Bolsonaro.

“O documento também coloca a necessidade de constituir um gabinete de crise para restabelecer a ‘legalidade e estabilidade institucional’, diz trecho da decisão de Moraes. Como o golpe em 15 de dezembro não foi bem-sucedido, a ideia também foi abortada naquele momento. O plano previa envenenar Lula e Moraes e, em seguida, instituir o “Gabinete Institucional de Gestão da Crise”. Havia, inclusive, uma minuta pronta para a sua criação – documento encontrado com o general Mário Fernandes, preso nesta terça.

Cinco núcleos

Segundo a PF, a organização era dividida em cinco núcleos:

  • ataques virtuais a opositores;
  • ataques às instituições (STF, Tribunal Superior Eleitoral), ao sistema eletrônico de votação e à higidez do processo eleitoral;
  • tentativa de Golpe de Estado e de Abolição violenta do Estado Democrático de Direito;
  • ataques às vacinas contra a Covid-19 e às medidas sanitárias na pandemia; e
  • uso da estrutura do Estado para obtenção de vantagens, o qual se subdivide em: a) uso de suprimentos de fundos (cartões corporativos) para pagamento de despesas pessoais; b) e inserção de dados falsos de vacinação contra a Covid-19 nos sistemas do Ministério da Saúde para falsificação de cartões de vacina; c) desvio de bens de alto valor patrimonial entregues por autoridades estrangeiras ao ex-presidente Jair Bolsonaro ou agentes públicos a seu serviço, e posterior ocultação com o fim de enriquecimento ilícito”.

Página 2 – telefones, armas e ‘tempo de ação’

Na segunda página, o documento lista as medidas práticas que deveriam ser tomadas pelo grupo para executar o plano. Há, por exemplo, uma lista de itens necessários, entre telefones, armas e proteção:

  • seis coletes à prova de balas;
  • rádios de baixa frequência;
  • seis telefones celulares descartáveis;
  • quatro pistolas;
  • quatro fuzis, além de munição não rastreável;
  • uma metralhadora, um lança-granadas, um lança-rojão, também com munição não rastreável;
  • 12 granadas.

Segundo a PF, a lista descreve “armamentos de guerra comumente utilizados por grupos de combate”. O lança-rojão, por exemplo, é “utilizado principalmente por forças armadas e de segurança para combate a veículos blindados e estruturas fortificadas. É um lançador de foguetes antitanque. A munição é um foguete guiado que possui uma ogiva explosiva”.

PF mostra armas que seriam usadas por militares golpistas em atentado contra Moraes — Foto: PF/Reprodução
“PF mostra armas que seriam usadas por militares golpistas em atentado contra Moraes — Foto: PF/Reprodução”

Os golpistas afirmam, ainda, que seriam necessárias cerca de duas semanas para a preparação do atentado – e oito horas para a execução.

De acordo com a PF, mais uma vez, os detalhes descritos nessa página coincidem com a tentativa frustrada de sequestrar Alexandre de Moraes em 15 de dezembro de 2022.

Página 3 – ‘condições de execução’ e mais alvos

Na última página do documento, os militares golpistas afirmam que a execução do plano era “viável”, mas “com significativas restrições para uma execução imediata”. O material lista ainda a situação de outros parâmetros de risco:

  • possibilidade de êxito: médio, tendendo a alto;
  • risco de danos colaterais: muito alto
  • risco de captura: alto
  • risco de baixas: alto
  • impactos e sensibilidade no âmbito político: muito alto;
  • impactos e sensibilidade no âmbito social: muito alto.

“Ainda são necessárias avaliações quanto aos locais viáveis, condições para execução (tiro a curta, média ou longa distância, emprego de munição e/ou artefato explosivo), possibilidades de reforço (Polícia Federal) e proteção do alvo, bem com a intervenção de outras Forças de Segurança”, ressalva o documento.

“Outra possibilidade foi levantada para o cumprimento da missão, buscando com elemento químico e/ou biológico, o envenenamente do Alvo, preferencialmente durante um Evento Oficial Público. O nosso reconhecimento também está levantando as condições para tal linha de ação”, diz o texto. Já no último trecho do documento, por fim, consta que “foram levantados outros alvos possíveis” – é quando, segundo a PF, o grupo fala em matar também Lula, Geraldo Alckmin e um aliado não identificado.

O texto diz que matar Lula “abalaria toda a chapa vencedora” e a colocaria “sob a tutela principal do PSDB”. O vice, Geraldo Alckmin, na verdade migrou do PSDB para o PSB para disputar as eleições.

Veja o que o documento diz sobre cada um desses alvos:

  • Jeca (Lula): “considerando a vulnerabilidade de seu atual estado de saúde e sua frequência a hospitais. Envenamento ou uso de química / remédio que lhe cause um colapso orgânico. Sua neutralização abalaria toda a chapa vencedora, colocando-a, dependendo da interpretação da Lei Eleitoral, ou da manobra conduzida pelos 3 Poderes, sob a tutela principal do PSDB”.
  • Joca (Alckmin): “considerando a inviabilidade do 01 eleito, por questão saúde, a sua neutralização extinguiria a Chapa vencedora”.
  • Juca (não identificado): “como Iminência Parda (sic) do 01 e das lideranças do futuro Gov, a sua neutralização desarticularia os planos da esquerda mais radical”.

O texto ressalva ainda que a morte de Alckmin e da autoridade apelidada de “Juca” não causaria grande comoção nacional.

Plano de militares golpistas para assassinar Lula e Alckmin em 2022 - página 3 — Foto: PF/Reprodução
“Plano de militares golpistas para assassinar Lula e Alckmin em 2022 – página 3 — Foto: PF/Reprodução”