MARCO ANCESTRAL: ATL se opõe à tese do marco temporal ao reafirmar direitos originários

Secom CONAFER

A tese do marco temporal é uma montagem que não para em pé. Não tem constitucionalidade nesta defesa. Inexiste à sombra da justiça qualquer tese jurídica que supere a verdade histórica e antropológica da presença dos povos originários na América antes de qualquer europeu ter pensando em pisar neste imenso continente. É fato. E contra fatos não há argumentos. Porém, conversando com homens e mulheres indígenas pelos corredores do Acampamento Terra Livre, formados entre barracas, gramados e esteiras de grupos de artesãos, a preocupação com as suas terras e possíveis invasores, tira-lhes o sono. O Acampamento Terra Livre, em sua 20ª edição, traz a cultura indígena de mais de 200 etnias, apresentando a riqueza cultural dos povos originários de todas as partes do país, 8 mil segundo avaliações, formando um palco de mobilização em torno do tema de 2024: o Marco Ancestral. Uma Carta Manifesto com 25 demandas foi endereçada aos Três Poderes da República. As lideranças indígenas pedem que o Estado brasileiro conclua os processos de demarcação dos territórios tradicionais e garanta os direitos constitucionais dos povos originários, como o acesso à saúde e educação de qualidade, autonomia dos povos, e principalmente, o reconhecimento da inconstitucionalidade de qualquer tese ou lei que exclua a ancestralidade do povo indígena. Até esta quinta-feira, equipes da Diretoria de Ação Social e Inclusão, entregaram centenas de doações, como colchões, marmitas, remédios, fardos de água, fraldas, absorventes, brinquedos e picolés para as crianças do ATL. Neste cenário de união e luta pelos direitos ancestrais, com marchas e manifestações políticas, principalmente contra o marco temporal, é importante levar apoio e solidariedade aos parentes indígenas

No coração da capital federal, o Acampamento Terra Livre é um espaço multicultural de uma riqueza única, com milhares de barracas se espalhando por uma grande área verde do Eixo Monumental. O ATL deste ano começou no último dia 22 de abril, não por acaso a data da invasão portuguesa em 1500, e vai até amanhã, sexta-feira, dia 26. Todo ano, indígenas de centenas de aldeias e territórios, montam uma agenda bem ampla de uma extensa e permanente pauta originária: demarcações paralisadas, assassinatos de lideranças indígenas, atenção à saúde, combate ao racismo e feminicídios, clima de tensão permanente dentro dos territórios com ações de reintegração de posse, alimentação deficiente, suicídio dos jovens, autonomia dos povos e o fantasma do marco temporal que teima em rondar as terras indígenas.

Nesta edição do Acampamento Terra Livre, também está sendo discutido a saúde mental da população indígena no Brasil com palestras e ações organizadas por lideranças. Isso se faz necessário porque, de acordo com pesquisas realizadas pela Fiocruz e Universidade de Harvard, o suicídio entre indígenas é maior do que de não indígenas, principalmente na faixa etária de 10 a 24 anos, e principalmente, nos estados do Amazonas e Mato Grosso do Sul, duas das federações com maiores populações indígenas.

No 20º ATL os indígenas fortalecem luta contra o marco temporal

Como faz todos os anos, a Confederação Nacional dos Agricultores Familiares e Empreendedores Familiares Rurais marca presença no ATL, unindo-se aos associados indígenas de várias regiões do Brasil. Este encontro não apenas reafirma o compromisso da CONAFER com a pauta originária, mas também oferece assistência fundamental aos participantes, incluindo apoio logístico para o deslocamento à capital federal, alimentação durante o evento e acomodações para descanso. Além disso, a Diretoria de Ação Social e Inclusão distribuiu centenas de doações, desde colchões a brinquedos, em um gesto de solidariedade que busca aliviar as dificuldades enfrentadas pelas comunidades indígenas.

A líder indígena Coruja Suindara, do povo Pataxó, tem 84 anos e vive na Aldeia Mãe, em Barra Velha-BA: “eu piso nesse chão e piso bem firme, que a terra é nossa”

Uma das lideranças indígenas, a anciã Coruja Suindara, de 84 anos, contou que mora na Aldeia Mãe Barra Velha, em Porto Seguro, extremo sul da Bahia. “Eu sou nascida e criada lá. Meus filhos tudo, eu ganhei tudo lá na aldeia da mamãe Barra Velha. E eu tenho orgulho ainda de falar e dizer aonde que eu moro. Eu moro é lá. Meu nome chama Coruja Suindara. Eu estou com 84 anos, mas eu não tenho tristeza não. Eu tenho prazer de ter 84 anos. Todo ano eu estou aqui atrás do que é meu e não arrumo nada. Volto mesmo pregando mentira da nossa terra. E então eles estão pregando mentira, são mentiroso eles, mas eu tenho prazer de estar aqui junto com meus irmãos indígenas Pataxó, da mamãe Barra Velha, do Guaxuma, da onde for, aonde tiver Pataxó, porque nós que somos os primeiros brasileiros somos nós, os Pataxó. Às vezes falam, foi Cabral que descobriu o Brasil, Cabral ele é um ladrão, Cabral não descobriu foi nada, Cabral ele veio foi roubar, mas ele não descobriu nada não, que quando ele chegou ele topou foi os Pataxó. Quando ele chegou ele não topou outro não, ele topou foi os Pataxó. E portanto, eu piso nesse chão e piso bem firme, que a terra é nossa”.

Liderança importante de Pernambuco, da cidade de Pesqueira, o cacique Marquinhos Xukuru, deu a sua visão sobre esta edição do ATL, falando da sua principal pauta. “Então, nós estamos há mais de 20 anos aqui no Acampamento Terra Livre. O povo Xukuru sempre teve a participação no acampamento Terra Livre, se somando a todas as lutas dos povos indígenas desse país. E hoje, o acampamento Terra Livre traz pautas importantes no cenário em que vivenciamos uma afronta do Congresso Nacional em determinadas questões relativas à política indigenista no país, principalmente no tocante do marco temporal, que é uma questão da atualidade que hoje se gera um conflito evidentemente enorme jurídico e, por que não dizer político, do ponto de vista em que afeta diretamente os povos indígenas. Quando trata-se da questão do marco temporal, na morosidade, no processo de demarcação dos territórios indígenas, isso terá um impacto de forma danosa aos povos indígenas no nosso país”. 

Liderança importante de Pernambuco, da cidade de Pesqueira, o cacique Marquinhos Xukuru falou da pauta de mais uma edição do ATL

O cacique Marquinhos Xukuru finalizou que “são pautas como essa que precisamos enfrentar, trazer à luz da sociedade esse problema, sensibilizar toda a sociedade e, principalmente, aqueles que estão no parlamento brasileiro que compreendam de que nós estamos aqui porque demarcar proteger as terras indígenas é pensar em um país, é pensar em um mundo mais saudável porque nossas vidas estão ameaçadas quando nós observamos o processo de invasão, de garimpo. Porque por mais que tenhamos um governo popular, por mais que tenhamos o movimento indígena avançado no contexto da demarcação, de ocupação de espaço de governo, evidentemente que é um governo de coalizão. Nós que temos ocupado espaço importante nesse governo, inclusive tratando-se do Conselho Nacional de Política Indigenista, onde nós sentamos com todos os ministros, pautamos as demandas e evidentemente que aos pouquinhos vamos avançando nessas pautas. Temos consciência que não vamos resolver todos os problemas dos povos indígenas em quatro anos. Isso é humanamente impossível”.

Em meio a esta atmosfera de união e luta pelos direitos ancestrais, as manifestações políticas ganham destaque, especialmente contra o chamado marco temporal. Essa tese jurídica, que restringe os direitos territoriais dos indígenas a áreas ocupadas até outubro de 1988, enfrenta forte resistência por parte das lideranças e dos participantes do ATL. Recentemente, uma decisão monocrática do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendeu o andamento de ações que questionam a constitucionalidade do marco temporal, gerando preocupações quanto à segurança jurídica e ao futuro das demarcações de terras.

Equipes do Mais Vida Brasil, a exemplo da Diretoria de Ação Social e Inclusão, distribuíram kits para as mulheres, absorventes e remédios

Essa decisão do STF, contrária aos interesses indígenas, reforça a importância da mobilização durante o ATL. Milhares de indígenas e seus apoiadores participaram de uma marcha pela área central de Brasília, demonstrando determinação e resistência. Mais de 8 mil representantes de mais de 200 etnias se unem apenas em Brasília, porque a população é de 1,7 milhão de parentes, superando resultados anteriores e destacando a força e a diversidade dos povos indígenas envolvidos na luta dos povos indígenas no Brasil. Conscientizar a sociedade sobre a importância de proteger os direitos originários e a diversidade cultural do país é uma das missões do Terra Livre.