“Codevasf é controlada pelo Centrão e tem sido investigada por desvios de recursos em supostas fraudes em licitações, mas afirmou que está colaborando com o trabalho da Justiça”
G1
Um gerente da Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf), em São Luís, foi afastado das suas atividades por suspeita de ter recebido cerca de R$ 250 mil de empresas que estariam envolvidas em um esquema de desvios de recursos públicos, segundo a Polícia Federal.
Além de ter sido afastado da função pública, também foi cumprido um mandado de busca e apreensão na casa do gerente, que não teve o nome informado. Essa ação foi realizada no dia 29 de setembro e faz parte da segunda fase da Operação Odoacro, que visa desarticular o núcleo de uma suposta organização criminosa composta por servidores públicos que estariam fraudando licitações e desviando verbas federais da Codevasf.
A principal empresa envolvida no suposto esquema é a Construservice, no qual a Codevasf possui contratos para realização de obras de pavimentação com asfalto ou bloquetes, assinados entre 2019 a 2021, em 12 municípios. Somados, os contratos chegam a R$ 15 milhões. A Construservice é a segunda empresa que mais firmou contratos com a Codevasf no governo do presidente Jair Bolsonaro (PL). Já a Codevasf é uma estatal responsável por realizar obras e serviços em estados do Nordeste, do Norte e no Distrito Federal.
A empresa é comandada por integrantes do Centrão – grupo de partidos que atualmente dá sustentação ao governo Bolsonaro. A estatal recebeu R$ 2,1 bilhões em emendas parlamentares entre 2018 a 2021. Em nota, a Codevasf afirmou que colabora com o trabalho da Justiça e que o processo judicial sobre o caso está sob segredo de Justiça. A empresa disse ainda que possui sólida estrutura de governança implantada e que indícios de conduta ilegal ou antiética por parte de seus funcionários são apurados.
Operação Odoacro
A primeira fase da Operação Odoacro foi realizada no mês de julho em São Luís, Dom Pedro, Codó, Santo Antônio dos Lopes e Barreirinhas, com 16 mandados de busca e apreensão. Nos locais onde a PF esteve, foram apreendidos relógios de luxo e R$ 1,3 milhão em dinheiro vivo.
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Contratos são alvo de investigação
Segundo a Polícia Federal, parte dos contratos da Codevasf com a Construservice são suspeitos de terem sido fraudados durante o processo licitatório.
Em todos os contratos, também chama a atenção a falta de indicação do local exato onde seria realizada a obra de asfaltamento. Há somente o nome do município. Veja na tabela abaixo os locais e valores.
Contratos da Codevasf com a Construservice no Maranhão
Data do contrato | Período de vigência | Municípios | Tipo de serviço | Área de aplicação da obra | Valor contratado (com aditivos) |
14/10/2020 | 06/10/2020 – 01/10/2022 | Lago da Pedra | Pavimentação em blocos intertravado de concreto (bloquete) | 16.383,53 m² | R$ 1.335.749,00 |
01/02/2021 | 13/04/2021 – 10/10/2022 | Jenipapo dos Vieiras, Cantanhede, São João do Paraíso e Humberto de Campos | Pavimentação em blocos intertravado de concreto (bloquete) | 23.426,33 m² | R$ 1.910.000,00 |
23/12/2021 | Não consta | Gonçalves Dias | Pavimentação Asfáltica | 8.062,47 m² | R$ 955.000,00 |
21/12/2021 | Não consta | Lago do Junco | Pavimentação Asfáltica | 12.093,71 m² | R$ 1.432.500,00 |
21/12/2021 | Não consta | Tuntum | Pavimentação Asfáltica | 8.062,47 m² | R$ 955.000,00 |
21/12/2021 | Não consta | Pedreiras | Pavimentação Asfáltica | 36.281,13 m² | R$ 4.297.500,00 |
21/12/2021 | Não consta | Mirador | Pavimentação Asfáltica | 12.093,71 m² | R$ 1.432.500,00 |
21/12/2021 | Não consta | Vitorino Freire | Pavimentação Asfáltica | 12.093,71 m² | R$ 1.432.500,00 |
21/12/2021 | Não consta | Matões | Pavimentação Asfáltica | 12.093,71 m² | R$ 1.432.500,00 |
O principal sócio da empresa Construservice é Eduardo José Barros Costa, o ‘Eduardo Imperador’, que chegou a ser preso no âmbito da Operação Odoacro, mas pagou fiança de R$ 121 mil e foi solto com o uso de tornozeleira eletrônica.
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Além disso, o esquema não é novo e é uma cópia do que já era realizado em 2015, na cidade de Dom Pedro (MA), onde a Polícia Civil do Maranhão fez uma grande operação e chegou a prender o mesmo ‘Eduardo Imperador’.
R$ 100 milhões
Segundo as investigações da Polícia Civil, na época foram desviados R$ 100 milhões de 42 Prefeituras do Maranhão. A diferença para o esquema de 2015 para o atual é que antes eram de desviados recursos estaduais, e agora são federais.
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Como funciona o esquema
De acordo com a Polícia Federal, tudo começa com a criação de várias empresas de ramos semelhantes, que são usadas para disputar licitações para a realização de serviços para a Codevasf, como pavimentação de ruas ou avenidas. No esquema criminoso, todas as empresas que vão participar da licitação são ligadas a uma única pessoa, só que de forma camuflada ou oculta.
Tanto no esquema realizado em Dom Pedro, como agora com a Codevasf, a PF afirma que essas empresas eram abertas em nomes de ‘laranjas’, que podem ser amigos ou parentes do líder do esquema.
Porém, além de laranjas, também chamou a atenção a abertura de empresas em nome relacionados ao próprio Eduardo, só que em CPFs falsos. Após serem abertas, a maioria das empresas demonstram ser ‘de fachada’, ou seja, existiam somente no papel, mas não tinham atuação no mercado.
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No esquema de desvios na Codevasf, uma das poucas empresas que não eram de fachada era a Construservice, no qual o principal sócio é o Eduardo José Costa, só que não de forma oficial. Nos registros oficiais, quem seriam o ‘donos’ da empresa seriam Adilton da Silva Costa e Rodrigo Gomes Casanova Júnior, só que quem comanda de fato seria Eduardo. Por isso, ele é considerado um ‘sócio oculto’ da empresa.
A Construservice, segundo a Polícia Federal, era a empresa sempre beneficiada nas licitações. Ou seja, várias empresas participavam da ‘competição’ pela licitação, só que antes já havia o combinado de que quem ganharia seria a Construservice.
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Em 16 de dezembro de 2020, consta na agenda oficial do presidente da Codevasf, Marcelo Moreira, um encontro com Eduardo Costa. O evento aconteceu na sala da presidência na sede da empresa, em Brasília.
O outro lado
Na época da prisão, a defesa de Eduardo Costa afirmou que a prisão foi desnecessária, pois o inquérito policial é fruto ‘apenas do início da investigação e da visão unilateral da Polícia e do Ministério Público sobre os fatos’, e que ele é inocente. “A defesa de Eduardo José Barros Costa, entende, com base no ordenamento jurídico pátrio, ilegal e desnecessária a prisão temporária de seu constituinte. Informa que tudo o que há nos autos do inquérito policial em curso é fruto apenas do início da investigação e da visão unilateral da Polícia e do Ministério Público sobre os fatos; que ele nunca sequer foi notificado para falar, apresentar documentos e/ou quaisquer outras manifestações defensivas; que, a partir de agora, colabora com a investigação – que corre em segredo de justiça – esperando ter a oportunidade de prestar os devidos esclarecimentos, com os quais demonstrará sua inocência. Inocência, aliás, que deve ser presumida por força de expressa disposição constitucional”, disse a nota.