Em novas ameaças, DPU cobra medidas de segurança para indígenas e agentes públicos no Vale do Javari

região ficou mundialmente conhecida após morte de jornalista e indigenista

José Carlos Bossolan

A Defensoria Pública da União (DPU) pediu à Justiça Federal do Amazonas na quarta-feira (23/11), a adoção de medidas para a proteção da vida e da integridade física dos povos indígenas do Vale do Javari (AM) e de agentes públicos que atuam na região. A solicitação é de cumprimento em caráter de tutela de urgência, para evitar mais assassinatos, ameaças e violência na localidade, que é palco de conflitos.

O pedido se baseia em carta aberta escrita pela Associação dos Kanamari do Vale do Javari (Akavaja), em 17 de novembro, na qual relata novas e graves ameaças. Os acontecimentos teriam ocorrido no dia 09 de novembro, por volta das 09h30 da manhã, no interior do território Kanamari, na localidade da Volta do Bindá, após a realização de preparativos para o Encontro de Lideranças da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja), marcado para acontecer na comunidade Massapê.

De acordo com o relato da DPU, um grupo de pescadores ilegais chegaram ao local e ameaçaram uma das líderes Kanamari com uma arma apontada em seu peito. Os agressores disseram que a mulher está na lista dos alvos dos criminosos e que – “as mortes no Vale do Javari não vão acabar até que as principais lideranças do local sejam assassinadas”.

“Ao retornar para a cidade, navegando através do rio, o grupo, composto por cerca de 30  pessoas em embarcações pequenas, foi surpreendido por pescadores ilegais que estavam realizando pesca predatória no território indígena de povos isolados e de recente contato. O grupo contava com mulheres e crianças e os pescadores ilegais tentaram convencer um dos Kanamari a não denunciar a situação, momento em que uma liderança tentou mediar o conflito. A liderança foi ameaçada com uma arma apontada para o peito, momento em que disseram que “as mortes no Vale do Javari não vão findar até que as principais lideranças sejam assassinadas”. E ela, grande defensora do povo Kanamari, está na lista deles, caçadores e pescadores ilegais. Sob a mira das armas direcionadas aos indígenas do barco, os pescadores ilegais proferiram diversas ameaças à vida e à integridade da liderança, sendo uma delas a seguinte: “Vou tirar a máscara para você ver meu rosto e te avisar que por conta de atitudes assim que Bruno e Dom foram mortos pela nossa equipe e você será a próxima. Só não te matarei agora porque estamos na presença de muitas crianças”. Após isso, os pescadores ilegais cortaram a fiação do motor de uma das canoas e foram embora ainda empunhando as armas e atirando em direção às canoas Kanamari, de modo que os tiros perfuraram os tambores de gasolina que estavam no teto de uma delas” – relata a DPU.

“jornalista Dom Philips e indigenista Bruno Pereira foram assassinados em julho deste ano no Vale do Javari”

No pedido, os defensores públicos federais Renan Vinicius Sotto Mayor e Francisco de Assis Nóbrega lembram de casos anteriores, como o assassinato, em 2019, de Maxciel Pereira dos Santos, servidor da Fundação Nacional do Índio (Funai), que atuou como chefe do Serviço de Gestão Ambiental na Frente de Proteção Etnoambiental do Vale do Javari. Além deste caso, também foi citada a injustificável omissão do Estado Brasileiro em relação aos homicídios brutais do indigenista Bruno Pereira e do jornalista Dom Phillips, ocorridos há poucos meses e que causaram perplexidade no Brasil e no mundo.

“É necessário considerar esta grave denúncia como consubstanciação de violências decorrentes não apenas da insistente omissão do Estado brasileiro em proteger os povos indígenas e os (as) defensores (as) de direitos humanos indigenistas e ambientalistas, mas sobretudo da omissão estrutural que a União e Funai demonstram ao descumprirem suas obrigações convencionais, constitucionais e institucionais”, destacaram os defensores no documento.

A DPU também cobrou a fiscalização – e toda a infraestrutura necessária – em toda a extensão dos Rios Ituí e Itacoaí, por meio de operações integradas entre o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Funai, Força Nacional e Forças Armadas. “Faz-se essencial que a Força Nacional de Segurança Pública, a Marinha, o Exército, o Ibama e outras instituições que detenham poder de polícia e potencial de proteção atuem em conjunto com a Funai para prevenir outros assassinatos e crimes nefastos”, destacaram os defensores.

Omissão no Vale do Javari

Desde 2019, a DPU, em conjunto com o Ministério Público Federal (MPF) e a Univaja, atua contra a desestruturação da Funai e da falta de proteção aos povos indígenas na região do Vale do Javari, no Amazonas. As instituições já pediram que a União fosse condenada a pagar uma indenização por danos morais coletivos no valor de R$ 50 milhões. O pedido de indenização, no entanto, ainda não foi julgado.

“Assim, é necessária a renovação do pedido liminar, principalmente pelos gravíssimos fatos novos narrados pelos indígenas Kanamari, observando que ocorreram há poucos dias na mesma localidade em que se busca, desde a exordial, maior proteção sistêmica aos indígenas e indigenistas que lá trabalham e habitam. Do mesmo modo, mesmo com o desaparecimento e assassinato de Bruno Pereira e Dom Phillips, ainda assim não foram tomadas medidas efetivas para cessar os ataques sistemáticos perpetrados por madeireiros, garimpeiros e pescadores ilegais. O Estado brasileiro não pode mais permitir que pessoas sejam assassinadas na região” – anunciaram os defensores público da União.

Liminar

O Vale do Javari é marcado por diversos assassinatos de lideranças locais, indígenas e servidores públicos federais. Os de maiores repercussão foram a execução do indigenista brasileiro Bruno Pereira (ex-servidor da Funai) e do jornalista britânico Dom Philips, ocorrido dia 5 de julho deste ano. Outro agente público, o colaborador da Fundação Nacional do Índio (Funai) Maxciel Pereira dos Santos, que atuava em defesa dos indígenas da Terra Indígena do Vale do Javari, na Amazônia, foi morto em 2019.

A DPU pediu a expedição de liminar em caráter para determinar que as partes rés adotem todas as medidas necessárias à proteção da vida e da integridade física dos povos indígenas do Vale do Javari, bem como de agentes públicos que atuem na região, como por exemplo pessoas vinculadas à FUNAI e SESAI, e providenciem fiscalização ostensiva ao longo dos Rios Ituí e Itacoaí, através de operações integradas entre FUNAI, IBAMA, Força Nacional, Forças Armadas, devendo ser proporcionada toda a estrutura necessária para que a fiscalização ocorra de modo integral em toda a extensão dos Rios Ituí e Itacoaí, inclusive seus lagos, onde se praticam os diversos crimes já citados, além da intimação do Estado do Amazonas para se manifestar acerca da possibilidade de atuação conjunta com os órgãos federais e a intimação da União Federal e da FUNAI para que informem, no prazo de cinco dias, que medidas já adotaram para elucidar os graves fatos narrados e coibir a atuação dos pescadores ilegais na região.