ÁGUA VIVA: permacultora ensina como cuidar do elemento da natureza mais valioso à saúde humana

Secom CONAFER

No mundo inteiro, cerca de 1 bilhão de pessoas não possuem acesso à água tratada. Nas áreas rurais, por vezes, este acesso é ainda mais difícil, o que traz implicações à saúde e à produtividade dos agricultores familiares. No mês em que se comemorou o Dia Mundial da Água, avançar no uso sustentável deste recurso essencial à existência da vida no planeta é urgente. Por isso, a difusão das boas práticas para obtenção, conservação e garantia da qualidade da água torna-se importante. Para conhecer um pouco mais a respeito destas técnicas e suas aplicações, conversamos com a permacultora Juliana Faber, filha de agricultores familiares e autora do livro “Somos Água”, que há 20 anos trabalha com práticas de cuidado com a água, em uma relação de total integração com a natureza

Muitas pessoas desconhecem que a água consumida por elas em suas casas é reciclada sempre, movendo-se constantemente ao redor do mundo sob as formas de vapor, líquido e gelo, compondo o chamado ciclo da água. E não se atentam sobre como as suas ações diárias podem implicar, de forma positiva ou negativa, na qualidade deste elemento essencial à vida, desde a chegada em suas residências para consumo, até o seu descarte criminoso em rios, mares e oceanos.

Outra informação desconhecida por boa parte da população a respeito da água, é o fato de esta nunca ser pura, já que se trata de um solvente universal e contém sempre a presença de componentes orgânicos e inorgânicos, que se misturam a ela em sua constituição ao longo de seu percurso natural. Com isso, a química deste elemento, quando chega ao consumidor final, sofre alterações causadas pelas condições do solo e rochas dos locais por onde ela passou até chegar aos lagos e córregos onde será realizada a sua captação.

Apesar de o Brasil ser o país com a maior bacia hidrográfica e reserva de água doce no mundo, cerca de 16% dos brasileiros não são atendidos com água tratada. Diante desse fato, os demais cidadãos privilegiados pela facilidade para seu acesso, por vezes, banalizam a sua importância e ignoram cuidados básicos que visam assegurar suas propriedades no momento do retorno desta ao solo, trazendo prejuízos para todo o ecossistema.

A permacultora Juliana Faber e suas orientações sobre o uso da água

Cuidados básicos e de baixo custo podem fazer toda a diferença na qualidade da água consumida pelas pessoas e, também, ganhos para o meio ambiente, como explica a permacultora Juliana Faber: “a partir do momento em que tomamos consciência que somos parte do ciclo da natureza, e, dentro deste senso de pertencimento, despertamos nossa sensibilidade para o cuidado com a água que consumimos, conseguimos modificar nossas práticas diárias para melhorar a qualidade da água e contribuir com mais saúde para todos”.

De acordo com Juliana Faber, “a adoção de técnicas regenerativas saudáveis para o reuso e economia da água, como o banheiro seco, o círculo de bananeiras, fossas ecológicas e a Bacia de Evapotranspiração (BET), é segura para evitar o contato direto dos usuários com o efluente”

Os saberes tradicionais dos povos e suas boas práticas, principalmente dos agricultores rurais, como o aplicado à elaboração do sabão artesanal por meio do reaproveitamento da gordura, precisam ser valorizados como ferramentas fundamentais para a difusão de uma nova consciência ambiental. Para Juliana Faber, “é possível para cada um de nós modificarmos pequenos hábitos de consumo, fazendo a substituição de alguns produtos químicos por aqueles que são similares, porém com composição biodegradável, atuando de forma sustentável neste cuidado com a água e gerando mais economia para as famílias”.

Diariamente, as opções de consumo feitas pelas pessoas lançam na água diversos produtos químicos sintéticos com potencial para prejudicar o meio ambiente, poluindo rios, mares e solos. De acordo com Juliana Faber, ” a composição dos cosméticos e produtos de higiene, limpeza, medicamentos, geram um impacto muito grande por serem de difícil decomposição. É necessário tomarmos consciência de nossa responsabilidade neste processo de reciclagem da água, e isso pode ser iniciado com boas escolhas e pequenas substituições no dia a dia”, completa a permacultora.

“Passar um dia inteiro em contato com os produtos químicos para asseio do ambiente, a exemplo do que fazem os profissionais de limpeza, possui o mesmo efeito no organismo de fumar um maço de cigarro”, afirma Juliana Faber. “Estamos frequentemente consumindo químicos desnecessários, que prejudicam a qualidade da nossa vida e da água, e apesar de ela ter uma incrível capacidade de se purificar naturalmente por meio da ação de microrganismos, das plantas e das pedras, são tantos os materiais químicos depositados nela que a natureza tem encontrado dificuldades para fazer essa filtragem natural”, acrescenta Faber.

Juliana Faber, filha de agricultores familiares e autora do livro “Somos Água”, há 20 anos trabalha com práticas de cuidado com a água

Os principais problemas hoje que impactam no risco de escassez de água no mundo tem origem na má gestão deste recurso pelas pessoas e na incapacidade humana de equalizar suas necessidades às do meio natural. Considerando-se que a água é um recurso escasso em muitas regiões, a recomendação diária feita pelos especialistas da Organização das Nações Unidas (ONU) para que o seu consumo diário por pessoa se dê de forma adequada, proporcionando qualidade de vida, é de 80 litros. E, deste total, seis litros devem ser de água potável e o restante destinado para fins de higiene e limpeza.

No Brasil, enquanto uma parcela da população consome em torno de 152,1 litros de água diariamente, o remanescente vive com menos de 20 litros diários deste recurso, uma contradição que manifesta em forma de sobrecarga sobre o sistema público de saúde, e baixos índices de desenvolvimento humano e social. Este desperdício, além de evidenciar a falta de consciência ambiental do brasileiro, responde por um terço da poluição produzida no país, no descarte feito por meio dos vasos sanitários, pia da cozinha, tanque de roupas e chuveiros, que levam todos esses químicos lançados na água diretamente para os oceanos.

Práticas simples a serem adotadas como evitar o uso de produtos agressivos ao meio ambiente, retirar bem as sobras de comidas dos pratos antes de lavá-los, dar preferência a produtos líquidos em relação aos em pó que possuem mais sais, e evitar o desperdício de água por meio do seu reuso, contribuem de forma positiva para a qualidade da água no planeta. Em locais onde o acesso a este recurso é mais restrito, é possível aplicar técnicas ecológicas simples de serem implementadas no tratamento após seu uso e antes que seja realizado o seu descarte.

De acordo com Juliana Faber, “a adoção de técnicas regenerativas saudáveis para o reuso da água, como o banheiro seco, o círculo de bananeiras, fossas ecológicas e a Bacia de Evapotranspiração (BET), é segura para evitar o contato direto dos usuários com o efluente”. Além disso, todas estas tecnologias envolvem recursos naturais e de baixo custo, sendo de fácil construção e manutenção, permitindo o uso de plantas geralmente utilizadas por agricultores familiares, a exemplo das bananeiras, que possuem grande potencial de evapotranspiração, e ainda auxiliam no monitoramento da eficácia desses sistemas.

Juliana Faber em prática sobre a água ao lado do ator Marcos Palmeira, também ativista pelas causas do meio ambiente

Para Juliana Faber, “a educação é fundamental para modificar o mundo, pois só ela é capaz de transformar as pessoas, que começam a tomar para si a responsabilidade de suas ações, possibilitando uma maior reflexão sobre as consequências destas. “É preciso voltar em nossa memória da infância e percebermos a importância da água em nossas vidas, como ficávamos quando ela não estava presente ainda que por curto espaço de tempo, e levarmos adiante o desafio de fazer pequenas alterações em nossas rotinas diárias a fim de que ela possa continuar existindo e nos abastecendo de maneira saudável”, diz Juliana Faber.