PA: Mineração contamina 100% das crianças do povo xikrin com metais pesados

Carlos Madeiro/UOL

Com apenas um ano de idade, um bebê da etnia xikirin do cateté tem em seu corpo seis elementos químicos em níveis prejudiciais à saúde, com destaque para a presença de manganês 6.600% acima do máximo tolerado pelo ser humano. Um relatório produzido pelo Grupo de Tratamento de Minérios, Energia e Meio Ambiente da UFPA (Universidade Federal do Pará) traz outros dados alarmantes: exames apontaram que todas as 121 crianças de um a 10 anos testadas estão com um ou mais metais em teores excessivos e perigosos à saúde.

“A alta quantidade de metais e concentração excessiva nos organismos dos bebês xikrins de apenas 1 ano de idade, sugere que a infecção ocorre desde a gestação e pode estar ocorrendo durante a amamentação” – trecho do relatório da UFPA. O povo xikrin do cateté é formado por 1,6 mil pessoas espalhadas em 21 aldeias na Amazônia paraense. O estudo indica que eles são afetados diretamente pela mineração da Vale, apontada pelos pesquisadores como poluidora do rio Cateté. A empresa nega que suas operações sejam fonte de contaminação.

Com base no relatório, o MPF (Ministério Público Federal) entrou no último dia 21 com ação contra a Vale, União e governo do Pará, para que adotem medidas reparadoras e de compensação pelos danos aos indígenas. O caso de uma criança de 2 anos é descrito com atenção no estudo: ela apresentou em seu corpo dez elementos em excesso:

Silício (Si),
Estrôncio (Sr)
Níquel (Ni)
Cobalto (Co)
Manganês (Mn)
Bário (Ba)
Magnésio (Mg)
Sódio (Na)
Potássio e (K)
Alumínio (Al)

Dois elementos foram encontrados em taxas elevadíssimas:- bário (720% a mais que o tolerado) e manganês (1.483% a mais). “Como pode uma criança de 1 ano de idade, que ainda não vai ao rio, com dez metais ou mais de cinco metais em seus corpo, em absurdas altas taxas percentuais de concentração? – Reginaldo Saboia de Paiva, professor da UFPA

O relatório aponta que as crianças correm o risco de sofrer com mau funcionamento dos rins por causa do excesso da presença dos elementos em seus corpos. “Se não houver intervenção médica especializada, estarão fadadas a sofrerem com vários tipos de doenças deletérias”, afirma o estudo.

Rio Cateté contaminado, conforme fotos de ação do MPF
“Imagem – Reprodução/MPF”

Crianças não são as únicas afetadas

O relatório completo dos dados colhidos em 732 dos 1.600 indígenas impressiona. “A população apresentou 32 elementos químicos em excesso e com altas taxas excessivas”, diz o texto. Dos 32 elementos, 22 são metais —sete extremamente tóxicos para o corpo humano. Os metais pesados só chegariam a um rio por meio do que o documento classifica de “mineração inconsequente”.

Os procuradores do MPF afirmam que o relatório prova a responsabilidade da Vale, e que a empresa deve ser condenada pelos “princípios do poluidor-pagador e da precaução”. Na ação, o MPF lembra que a Terra Indígena xikrin do cateté está rodeada de empreendimentos minerários da Vale. “Não se pode questionar que a contaminação por metais pesados observada na região do Cateté tem origem direta na atividade de mineração conduzida pela empresa responsável pelos empreendimentos. Tal relação de causa e efeito é corroborada pelas evidências científicas apresentadas pelo Prof. Dr. Reginaldo Saboia, que destaca que a presença de cobalto nos organismos dos indígenas e no ambiente local constitui um marcador característico das operações de mineração de níquel” – MPF.

A ação do MPF traz ainda o relato do médico João Paulo Botelho, que é consultor de saúde das comunidades xikrin há mais de cinco décadas. Ele aponta que existe uma “gravidade da crise sanitária enfrentada”. Conforme seu testemunho, a deterioração significativa da qualidade das águas do rio Cateté tem compelido as comunidades locais a recorrer à aquisição de água mineral para suprir as necessidades básicas das crianças, bem como à compra de pescado em mercados situados em Marabá, comprometendo sua segurança alimentar e sua autonomia em relação aos recursos naturais tradicionalmente utilizados.

Por conta da contaminação, o MPF pede que a Vale seja obrigada a “custear integralmente o tratamento médico dos indígenas diretamente afetados pela contaminação, incluindo consultas, exames, medicamentos, internações hospitalares e deslocamento, independentemente da existência de planos de saúde fornecidos pela empresa.” O órgão também pede a implementação de um sistema de monitoramento contínuo da saúde dos xikrin.

O que diz a Vale?

Em nota, a Vale “nega que haja qualquer relação de suas operações com eventual contaminação do Rio Cateté.” “Esse assunto já foi amplamente analisado pela Vara Federal de Redenção, no Pará. “Estudos conduzidos por peritos judiciais independentes concluíram que as operações da Vale não são a fonte de contaminação do Cateté. Os documentos são públicos e estão disponíveis para consulta. Além disso, a Vale monitora regularmente as condições da água no entorno dos seus empreendimentos para resguardar as comunidades locais. Por fim, a companhia lembra que há inúmeras atividades de garimpo ilegal na região” – diz a Vale.

Procurada, a Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas) também afirma que a questão já foi objeto da ação judicial e que laudo pericial de novembro de 2018, “concluiu que a contaminação do rio Cateté se deu em razão do ‘lançamento in natura de efluentes das cidades e lugarejos localizados a montante dos empreendimentos Onça e Puma (sic), associados ao uso de defensivos agrícolas e supressão vegetal ripária'”.

O laudo ainda aponta que “no caso da mineração de níquel, o impacto é especialmente causado pela exposição do solo”, que “essa exposição e revolvimento do solo, associado ao trânsito de maquinário, favorecem a suspensão de partículas e o carreamento por água, especialmente nos períodos de chuva”. “No entanto, estes impactos se mostraram devidamente mitigados, já que boa parte dos parâmetros monitorados apresentavam-se dentro dos limites legais estabelecidos, e aqueles observados acima dos limites legais já apresentavam essa inconformidade nas águas do rio Cateté antes de passar pela área de influência dos empreendimentos em análise, ou seja, nos trechos a montante do empreendimento” – disse a Funai.

Em nota, a Semas (Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade) do Pará diz que “firmou no ano passado um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com a Vale para a redução de impactos socioambientais das atividades da mina de níquel Onça Puma”.