ECONOMIA HOJE: dono de biografia rica e controversa, Delfim Netto deixou o legado da Embrapa

Juliana Vasconcelos/Secom COANFER

Com 96 anos e uma longeva trajetória pública, o economista e ex-ministro da Fazenda, Delfim Netto, faleceu no último 12 de agosto no Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo. Embora sua biografia na política nacional tenha sido controversa, incluindo ser um dos signatários do AI-5, Delfim Netto deixou um legado significativo no desenvolvimento do país, em especial no setor agrícola, desde o apoio ao segmento  agrofamiliar até o incentivo à pesquisa e extensão rural. Por isso, sua visão econômica foi tão importante para a criação da Embrapa há mais de 5 décadas, e que hoje exerce papel na produção científica que permite ao Brasil se manter como uns dos líderes na produção agrícola mundial, ao lado dos Estados Unidos e da China, além de garantir a segurança alimentar interna de 212 milhões de brasileiros

Na década de 60, já preocupado com a crise na produção de alimentos, a dependência das importações e a baixa produtividade agrícola vivida no Brasil nesta época, o então ministro da Fazenda, Delfim Netto, junto de José Irineu Cabral, o primeiro presidente da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, contando ainda com um grupo de especialistas em administração, economia e agropecuária, iniciaram o que seria, 51 anos depois, uma das maiores instituições de pesquisa do mundo. Na época em que foi fundada a Embrapa, a famosa frase de Delfim Netto “fazer o bolo crescer, para depois dividi-lo” resumia a direção econômica que o Brasil seguia, o chamado “milagre econômico” do início dos anos 70. Hoje, podemos afirmar que não houve a tal partilha do bolo, mas podemos considerar a Embrapa como parcela da massa deste bolo que ajudou a agricultura, até então atrasada e ineficiente, tornar-se competitiva com o passar dos anos.  

Criada há mais de 5 décadas com apoio decisivo de Delfim Netto e sua equipe, a Embrapa é reconhecida no mundo todo pela sua produção científica

A empresa foi fundada em 26 de abril de 1973 para levar à frente o impulso no desenvolvimento de uma cultura agrícola nacional com geração de conhecimento e soluções tecnológicas para melhorar a qualidade da produção. A Embrapa surgiu da percepção de que era preciso não só diversificar a pauta de exportação agrícola, mas preparar o solo, adaptar as plantas para o clima tropical, formar o produtor rural e garantir o alimento na mesa da população, contribuindo de maneira direta e fundamental na potencialização do setor agrícola brasileiro, no fortalecimento da nossa balança comercial e geração de empregos qualificados no meio rural. 

A mítica Embrapa, historicamente, responde às demandas de inovações na agricultura por meio de pesquisas, transferência de biotecnologia aos produtores e implementação de políticas públicas no campo. É uma geração de conhecimento permanente, e inclui um extenso portfólio de estudos e trabalhos voltados aos agricultores familiares, destacando-se o projeto de Inovação Social na Agropecuária e de Sistemas de Produção de Base Ecológica. A proposta é buscar soluções para problemas sociais, ambientais e desenvolvimento territorial, e ainda trabalhar na ampliação da sustentabilidade econômica e ecológica da agricultura, por meio do uso racional dos recursos naturais e socioeconômicos disponíveis. 

Em relação à segurança alimentar, destaca-se a responsabilidade da Embrapa pelo Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), um dos principais instrumentos de compras públicas, com um volume de demanda com mais de 45 milhões de refeições/dia que garantem a comercialização e o escoamento dos produtos da agricultura familiar. A Embrapa atua com o objetivo de criar formas de produção de alimentos com menor impacto ambiental e menor emissão de gases de efeito estufa, bem como tem voltado suas pesquisas mais recentes para mecanismos que consigam aumentar a eficácia da chamada intensificação agrícola, com a produção de mais alimentos numa mesma área, focando no crescimento da bioeconomia. 

Delfim Netto, ainda em vida, em 2021, doou o seu acervo particular de 250 mil livros à biblioteca da Universidade de São Paulo, a USP, onde se formou e depois viria a ser o primeiro ex-aluno e virar professor catedrático da renomada instituição. Consta que entre os livros doados, a maioria dos títulos de economia, além de documentos de história, geografia, filosofia, ciência política e matemática, constam a primeira edição da obra de John Keynes “A Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda”, de 1936, e a primeira edição de “A riqueza das nações”, de Adam Smith, de 1776. O que mostra a dimensão de sua erudição e profundidade no conhecimento da ciência econômica. Na ocasião, Delfim já preparava sua mensagem de despedida, ao afirmar: “eu estou ficando velho, e a USP vai continuar”. Incontestavelmente, Delfim Netto deixou sua contribuição para a agricultura nacional, e ela vai continuar pujante.