“Pesquisa sobre o lenacapavir foi publicada nesta quarta (24) no New England Journal of Medicine (NEJM)”
Roberto Peixoto/G1
Resultados de um estudo científico publicado nesta quarta-feira (24) apontam que o antirretroviral lenacapavir da Gilead Sciences apresenta uma eficácia geral de 100% na prevenção da infeção pelo HIV-1 – responsável por quase todas as infecções de HIV no mundo. Os dados foram divulgados na prestigiada revista científica “New England Journal of Medicine (NEJM)” e apresentados na 25ª conferência internacional sobre a Aids, que acontece em Munique, na Alemanha.
A taxa de eficácia é a mesma apresentada de forma preliminar em junho pela gigante farmacêutica norte-americana, quando foram divulgados os primeiros resultados do estudo de Fase 3, situação em que são testados os medicamentos em grandes grupos. Segundo a publicação, que trouxe dados desse acompanhamento de mais de 2 mil mulheres cisgênero na Uganda e na África do Sul, o medicamento injetável aplicado somente duas vezes por ano se provou tão eficaz que o estudo clínico chegou a ser interrompido precocemente, já que os números superaram os critérios de interrupção pré-definidos.
Por causa disso, o Unaids, o Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/Aids, também emitiu um comunicado recente afirmando que o medicamento oferece uma esperança de acelerar os esforços para acabar com a Aids como ameaça à saúde pública até 2030 – meta que faz parte da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável da ONU.
No entanto, para que isso aconteça, a agência da ONU diz que a Gilead precisará assegurar que todas as pessoas que necessitam desse medicamento (que custa cerca de US$ 40 mil por pessoa, por ano) tenham seu acesso garantido. “Garantir o acesso global equitativo a novas tecnologias pode ajudar o mundo a se colocar no caminho para acabar com a Aids como uma ameaça à saúde pública até 2030”, afirmou Winnie Byanyima, Diretora Executiva do Unaids.
Apesar de aprovado nos Estados Unidos, Europa e Canadá (como tratamento, não como prevenção ao HIV-1), o lenacapavir ainda não tem registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Ao g1, a Gilead do Brasil informou que a submissão no país da droga, assim como em outros mercados, está “em fase de planejamento interno e, dessa forma, não é possível fornecer uma data estimada”.
Chamado comercialmente de Sunlenca, o lenacapavir é visto uma alternativa em comparação com os atuais medicamentos preventivos orais de uso padrão para a profilaxia pré-exposição ao HIV (PrEP). Disponível no SUS desde 2018, esses remédios são tomados (PrEP diária e sob demanda) antes da relação sexual, o que permite ao organismo estar preparado para enfrentar um possível contato com o HIV.
No Brasil, porém, mulheres cis não podem usar a PrEP sob demanda. Estudos antigos – e bastante debatidos – mostraram que o medicamento é menos eficaz nas mucosas vaginais do que nas anais, e que o estrogênio (um hormônio sexual mais presente em mulheres) pode diminuir ainda mais essa eficácia.
Pesquisa inovadora
O estudo da Gilead provou que nenhuma das 2.134 mulheres que recebeu o lenacapavir contraiu o HIV.
- Em comparação, 16 das 1.068 mulheres (ou 1,5%) que tomaram entricitabina (FTC) e fumarato de tenofovir desoproxila (TDF), a combinação farmacológica da PrEP, foram infectadas.
- Já 39 das 2.136 mulheres (1,8%) que receberam emtricitabina (FTC) e tenofovir alafenamida (TAF), um comprimido diário chamado comercialmente de Descovy, foram infectadas.
“Esses dados confirmam que o lenacapavir, administrado duas vezes ao ano para prevenção do HIV, é um avanço revolucionário com um enorme potencial para a saúde pública. Se aprovado e disponibilizado de forma rápida, acessível e justa para aqueles que precisam ou desejam, essa ferramenta de longa duração pode ajudar a acelerar o progresso global na prevenção do HIV” – disse Sharon Lewin, presidente da Sociedade Internacional de AIDS (IAS, na sigla em inglês), em um comunicado.
Outros estudos estão em andamento na Argentina, Brasil, México, Peru, África do Sul e Tailândia para verificar a eficácia do medicamento em homens que fazem sexo com outros homens, em pessoas trans e em usuários de drogas injetáveis. Segundo a Gilead, uma análise preliminar desses resultados deve ser divulgada ainda este ano ou no começo de 2025.
“Esse é o melhor resultado que já tivemos sobre prevenção. É um estudo sem precedentes. A única forma que conseguimos prevenir o HIV foi com estratégias biomédicas, usando remédios como esse”, explica Ricardo Diaz, infectologista da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), que está realizando esses testes do medicamento no país.
Na última terça-feira (23), uma coalizão de ativistas, incluindo a Médicos Sem Fronteiras (MSF), também exigiu uma ação global imediata para quebrar o monopólio da Gilead sobre o lenacapavir. Manifestantes também protestaram no estande da farmacêutica em Munique. A movimentação aconteceu após novos dados apresentados na 25ª Conferência Internacional sobre Aids revelarem que o lenacapavir genérico pode ser fabricado a um custo mil vezes menor do que os US$ 42.250 (cerca de 236.000 reais na cotação atual) anuais cobrados pela Gilead.
Segundo a estimativa, com a produção em larga escala, o custo do lenacapavir genérico deve começar em US$ 100 por ano (558 reais) e pode cair para US$ 40 (223 reais) à medida que a demanda aumentar. Em uma nota divulgada também na última terça, a Gilead disse que está comprometida com a inovação científica contínua para fornecer soluções para as necessidades crescentes das pessoas afetadas pelo HIV em todo o mundo e que pretende melhorar a educação, expandir o acesso e eliminar barreiras aos cuidados por meio de parcerias, colaborações e doações, com o objetivo de acabar com a epidemia de HIV globalmente.