MERONG PRESENTE: cacique é “plantado” em território sagrado; cruelmente Vale tentou impedir

Secom CONAFER

Mesmo com a mineradora Vale tentando interromper com atrocidade o sepultamento do líder indígena, cacique Merong, a comunidade da Retomada Kamakã Mongoió, no Vale do Córrego de Areias, em Brumadinho, realizou o ritual de passagem de Merong para o mundo dos encantados, e plantou seu corpo em território sagrado, como acreditam as culturas indígenas. O corpo do cacique foi enterrado ainda durante a madrugada de ontem (6 de março), enquanto a mineradora conseguia uma tutela inibitória, assinada pela juíza federal Geneviève Grossi Orsi, que incluía a força policial, na tentava de impedir de forma cruel que Merong fosse sepultado na terra onde ele morreu defendendo

Com cantos de lamento e maracás nas mãos, a família, os parentes e toda comunidade indígena da Retomada Kamakã Mongoió, realizaram o ritual de encantamento do cacique Merong, da etnia Pataxó Hã-hã-hãe, em território ancestral. Os indígenas acreditam que não existe a morte, mas a transformação para um ser encantado. E assim, o seu espírito passa a ser uma energia integrante da natureza. Agora, outras lideranças vão seguir na luta dos Mongoió, inspirados no cacique Merong, para que todos os parentes possam permanecer em território originário.

Em pé, com o maracá na mão, a mãe do cacique Merong, cacica Katorã, participa do ritual de sepultamento do seu filho em território sagrado

A polícia federal já trabalha nas investigações da morte do cacique Merong Kamakã, encontrado morto com uma corda no pescoço em sua casa, na manhã de  segunda-feira (04), em Córrego de Areias, em Brumadinho, região metropolitana de Belo Horizonte. A região ocupada pelo cacique e o povo Kamakã Mongoió é alvo de disputa dos indígenas e da mineradora Vale. O cacique vinha recebendo ameaças de morte, inclusive com vídeo de força policial agindo de forma truculenta apontando uma arma em seu peito. 

O Frei Gilvander Moreira, da Comissão Pastoral da Terra de Minas Gerais, PT/MG, amigo há 20 anos do cacique Merong, acredita em assassinato

Um amigo de 20 anos do cacique Merong, e apoiador da Retomada Kamakã Mongoió, o Frei Gilvander Moreira, da Comissão Pastoral da Terra de Minas Gerais, PT/MG, enviou um depoimento à Secom contando a sua versão sobre a morte de Merong. Segundo o Frei Gilvander, “o cacique Merong foi assassinado. Simularam suicídio, mas não foi. Ele estava com os pés apoiados no chão, dava para segurar no pau acima, pois era baixo e só tem um prego segurando o pau onde a corda se apoiou. Com o peso de Merong o pau soltaria do prego e cairia. E mais: por volta das 7h30, horário em que se pode entrar pela mata e tocaiar o nosso cacique. Se fosse à noite, seria mais difícil andar na mata. E a casa dele está dentro da mata de 200 a 250 metros distante da casa da cacique Katorã, na mesma Retomada Kamaka Mongóio. E mais: Merong conversou comigo em particular uns 30 minutos dia 25/02/24 lá na Retomada Xukuru-Kariri, também no município de Brumadinho-MG. Ele estava com muitos planos para ampliar a luta. E disse-me disse que se ele aparecesse morto, alguém o teria bombado na luta, pois ele jamais suicidaria, pois era guiado pelo Grande Espírito, por Tupã, para salvar a humanidade, o que passava necessariamente por frear as mineradoras, o agronegócio e superar o capitalismo, disse-me ele. Ele estava ameaçado de morte. A quem interessa dizer que o cacique Merong teria suicidado? À Vale S/A, aos policiais? Permaneço solidário à cacica Katorã, mãe de Merong, à Kenowara e a todos os povos indígenas, especialmente à Família Kamakã Mongoió”, finalizou Frei Gilvander. 

Merong Kamakã Mongoió também atuou no Rio Grande do Sul, onde participou ativamente da Ocupação Lanceiros Negros, iniciativa que contribuiu com as retomadas Xokleng Konglui no município gaúcho de São Franciso de Paula, e Guarani Mbya, em Maquiné

Wallace Santos Souza, o cacique Merong, é mais uma voz da luta indígena que se cala. Ainda não existe um laudo conclusivo sobre a morte de Merong Kamakã Mongoió até a publicação desta matéria. O que se sabe com certeza é da sua liderança frente aos movimentos de retomada de territórios indígenas pelo país. Por esta razão, teve a sua vida ameaçada por diversas vezes. Em conversas com parentes próximos, Merong manifestou o desejo de ampliar as ações da retomada no Vale do Córrego de Areias, município de Brumadinho, onde vivia e foi encontrado em casa com sinais de enforcamento. No papel de educador indígena, em meados de 2023, Merong foi um dos professores convidados do Mais Educação Livre, o 1º Encontro Nacional de Professores Indígenas, promovido pela CONAFER na Reserva da Jaqueira, em Porto Seguro-BA. Merong cresceu com o povo Pataxó Hã-hã-hãe, no sul da Bahia, e pertencia à sexta geração da família Kamakã Mongoió. Nascido em Contagem-MG, Merong Kamakã Mongoió é reconhecido como um dos articuladores do atual movimento indígena no Brasil, sempre presente nos momentos em que se exigiu coragem e disposição dignas de um líder.

De cocar azul, o líder indígena, cacique Merong, que pertencia à sexta geração da família Kamakã Mongoió, nasceu em Contagem (MG), e na infância foi morar no sul da Bahia, onde cresceu com o povo Pataxó Hã-hã-hãe

Luta contra a Vale para permanecer em território sagrado é legítima

O rompimento da barragem de Brumadinho, administrada pela mineradora Vale, em 25 de janeiro de 2019, o segundo maior desastre industrial do século, foi um dos maiores crimes ambientais da mineração do país, depois do rompimento de barragem em Mariana, também pertencente a Vale. Os Kamakã Mongoió lutam por um território em uma área próxima ao local de triste memória para os brasileiros e para o mundo inteiro, que acompanhou a tragédia que destruiu rios, florestas e ceifou a vida de 272 pessoas. 

O rompimento de barragem de Brumadinho, administrada pela mineradora Vale, em 25 de janeiro de 2019, um dos maiores crimes ambientais da mineração do país

O cacique Merong, líder dos Kamakã Mongoió, explicava com muita lucidez que “o seu povo foi guiado até o território, que a terra é para plantar e ser preservada, terra é vida”. A área da retomada reinvindicada pela etnia Kamakã Mongoió tem um ecossistema de rica biodiversidade e inúmeras nascentes. A sua autodemarcação vem sendo feita junto com outras etnias. Com o processo de reintegração de posse na justiça de Minas Gerais impetrado pela Vale, o risco da degradação e destruição dos biomas são previsíveis, como já aconteceu antes. A retomada segue com seu objetivo de garantir a permanência de toda a comunidade indígena em terras ancestrais, garantindo a sua preservação de forma permanente. É urgente uma decisão da justiça em favor dos direitos indígenas garantidos pela Constituição Brasileira.

O maior poeta brasileiro, Carlos Drummond de Andrade, publicou em 1984, a Lira Itabirana. Pouco mais de 100 km separam Brumadinho de Itabira, onde nasceu Drummond. Era uma premonição do que viria a acontecer quase 40 anos depois com o rompimento da barragem da Vale S.A, em Brumadinho, Minas Gerais. A Fazenda do Pontal, onde Drummond passou a infância, é hoje um depósito de rejeitos da Vale.

Lira itabiranaO Rio? É doce.A Vale? Amarga.Ai, antes fosseMais leve a carga.

Entre estataisE multinacionais,Quantos ais!

A dívida interna.A dívida externaA dívida eterna.


Quantas toneladas exportamos
De ferro?
Quantas lágrimas disfarçamos
Sem berro?

Para o cacique Merong a terra significava vida e espiritualidade, razão para defendê-la ao máximo e em qualquer circunstância

A CONAFER publicou em suas redes sociais uma NOTA DE PESAR pelo falecimento do cacique Merong:

“A CONAFER se solidariza à família de Merong Kamakã. O cacique Merong, como era conhecido, fazia da defesa dos povos originários a sua bandeira de luta. Em Minas Gerais, na região de Brumadinho. No Território Caramuru, no sul da Bahia. No apoio aos Xokleng, Guarani e Kaingang no Sul do Brasil. Como educador do Mais Educação Livre contribuindo com seu conhecimento na Reserva Jaqueira. Apesar de uma longa caminhada pelo país na resistência contra a violência em áreas indígenas, Merong faleceu muito jovem e cheio de sonhos. Lamentamos o seu falecimento e a perda do parente, que sempre foi um exemplo de caráter, trabalho e dedicação à sua família e ao seu povo. Prestamos nossas condolências e expressamos enorme sentimento de respeito pelo momento”.