Viagens de Paulo Guedes somam 2 voltas à Terra, mas ele mal saiu do país

Marcos de Vasconcellos/Portal Terra

As viagens oficiais do ministro da Economia, Paulo Guedes, a bordo de jatos da FAB (Força Aérea Brasileira) desde o início do governo Bolsonaro já somam 79,6 mil quilômetros. Isso é o bastante para duas voltas no planeta Terra. Apesar da grande distância total, com 76 voos registrados pela FAB, Guedes fez apenas duas viagens internacionais. A maioria esmagadora de seus voos teve como destino Rio de Janeiro, Brasília ou São Paulo. 

O foco doméstico chama a atenção quando a agenda de Guedes é comparada à de seu antecessor, Henrique Meirelles, que foi ministro da Fazenda no governo de Michel Temer, de 2016 a 2018. Enquanto o “Posto Ipiranga” de Jair Bolsonaro voou 76 vezes nas asas da FAB em cerca de 4 anos, Meirelles ocupou os assentos dos jatos oficiais por 297 vezes, em quase metade do tempo. 

Em quilômetros, a diferença é ainda mais gritante: Meirelles voou praticamente 6 vezes mais do que Paulo Guedes: 474,5 mil km (o bastante para 11,8 voltas no planeta Terra).  As viagens dos ministros nas asas da FAB foram contabilizados em levantamento exclusivo feito pela consultoria Lagom Data, em parceria com o Monitor do Mercado.

Henrique Meirelles teve destino internacional em mais de 20% dos seus voos nos aviões da FAB, totalizando 65 voos transnacionais. Sua presença aérea chama a atenção inclusive em relação aos seus antecessores, nas gestões petistas.

O ex-ministro da Fazenda Guido Mantega, que ocupou a pasta nos governos Lula (PT) e Dilma (PT), de 2006 ao fim de 2014, voou 668 vezes a bordo dos jatos da FAB, em 19 viagens internacionais — a maior parte, para países vizinhos.

Enquanto Mantega voou, em média, 7,9 vezes por mês no poder, Meirelles voou 9,2 vezes e Paulo Guedes, 3,2, como mostra o levantamento feito com exclusividade.

Como os ex-ministros da Fazenda Joaquim Levy e Nelson Barbosa não completaram um ano no governo, durante o mandato de Dilma Rousseff (PT), dificultando a comparação de seus números em eventos internacionais. (Veja a tabela no fim do texto).

Carona da FAB

Ministros de Estado têm direito aos voos oficiais, por motivos de emergência médica, segurança e viagem a serviço. Compete à autoridade que solicitou a viagem analisar e comprovar a efetiva necessidade da utilização de aeronave da FAB em substituição a voos comerciais. 

Além dos voos da FAB, as autoridades podem pedir o reembolso das passagens em aviões de carreira, os voos comerciais. 

Quando são contabilizados os voos de carreira, para os quais o ministro Paulo Guedes pediu reembolso, acrescenta-se à lista 17 viagens internacionais (em meio a cerca de 80 reembolsos para viagens nacionais).

No caso de Meirelles, de 2016 a 2018, durante a gestão de Michel Temer, são contabilizadas 15 viagens internacionais, entre 121 pedidos de reembolso.

Questionado pelo Monitor do Mercado, o ministério da Economia afirmou que “devido à pandemia, o número de voos diminuiu” e garante que não há viagens de Guedes em aeronaves da FAB sem o devido registro. 

Pandemia e burocracia

Assim como aconteceu em empresas, escolas e faculdades, a pandemia de Covid-19 mudou o funcionamento de órgãos de governo e internacionais. As reuniões outrora presenciais de ministros de Finanças e presidentes de bancos centrais do G20, por exemplo, passaram a ser virtuais.

Representantes dos países membros do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) também se encontraram virtualmente, em 2021, depois de terem suspendido a Assembleia Anual de Governadores do Banco Interamericano de Desenvolvimento em 2020, por causa da pandemia.

Isso explica, em parte, a falta de voos internacionais na agenda de Paulo Guedes. Entretanto, não elucida a razão de tantas viagens dentro do Brasil, tendo em vista que os eventos nacionais também passaram a adotar o formato de reuniões virtuais. 

Um outro ponto para elucidar a redução da presença de Guedes em eventos de negociação internacional é apontado pela professora de Relações Internacionais da PUC-SP Elaini Gonzaga da Silva. Ela lembra que o ministério da Economia, no governo Bolsonaro, passou a englobar o que antes era o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC), que, tradicionalmente, tem em seus quadros pessoas com experiência em negociações transnacionais.

Com a ida dessa equipe de burocratas capacitados para a pasta de Paulo Guedes, o ministro pôde terceirizar parte desses compromissos, explica Elaini, que estuda especificamente a presença do Brasil no exterior.

Operação “road show”

Marcelo Soares, diretor da Lagom Data, aponta que o conjunto das viagens de cada autoridade indica sobretudo as prioridades de sua pasta. 

“Essa base surgiu com um caso de abuso, quando um presidente da Câmara usou o jatinho para levar a família a um jogo da Seleção. Desde 2008, nos primeiros dados do levantamento, a gente observa que ministros que vão concorrer a algum cargo sempre fazem mais inaugurações ou visitam mais a terra onde vão concorrer.”

O ex-ministro Henrique Meirelles realmente concorreu a presidente em 2018, quando foi derrotado por Jair Bolsonaro. À época, Meirelles tentou emplacar o slogan “Chama o Meirelles”. Entretanto, a principal razão apontada para seu chamativo número de viagens internacionais não está na sua tentativa de chegar à cadeira presidencial.

Meirelles foi um ministro da Fazenda escolhido “a dedo” por Michel Temer para acalmar os mercados internacionais em relação à ruptura institucional causada pelo impeachment de Dilma Rousseff.

Em julho de 2016, Michel Temer já preparava um “road show” internacional, anunciado pelo então ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha. A ideia era justamente aprofundar negócios e acabar com dúvidas sobre a possibilidade de novas rupturas institucionais, que têm o condão de afastar investidores.

A experiência de Meirelles no Bank Boston e no Banco Central do Brasil foi fundamental para que ele entrasse no governo após a mudança abrupta no governo federal, com a missão de conversar com investidores internacionais e a imprensa global, para mostrar boas perspectivas para a economia nacional.

Além disso, afirma a professora Elaini Gonzaga da Silva, houve um grande esforço para combater, internacionalmente, a narrativa de que ocorrera um golpe de Estado no Brasil. “Como os petistas passaram a fazer denúncias à mídia de outros países e a órgãos internacionais, houve uma mudança na estratégia de comunicação do governo Temer, para criar uma ‘contranarrativa’ também nesses espaços”, explica.

Contatado pelo Monitor do Mercado através de sua assessoria de imprensa, o ex-ministro Henrique Meirelles não se manifestou sobre o assunto.

Compilamos abaixo o número de voos nacionais e internacionais, bem como a média de viagens de cada ministro da Economia, a bordo de jatos da FAB (Força Aérea Brasileira). 

MinistroMeses no governoVoos da FABVoos/mêsinternacionaisInternacionais /mês
Guido Mantega846687,95190,23
Henrique Meirelles322979,28652,03
Joaquim Levy11403,6320,18
Nelson Barbosa412300,00
Paulo Guedes23753,2650,22
Total geral1541092 91 
Fonte: Lagom Data/FAB – Imagem: José Cruz / Agência Brasil

Marcos de Vasconcellos é CEO do Monitor do Mercado e assessor de investimentos.