Sem médicos, cidades na Amazônia pagam até R$ 135 mil/mês por especialistas

“Hospital de Manicoré pagar esse valor para anestesista”

Carlos Madeiro/UOL

Médicos especialistas, como anestesistas, cirurgiões, obstetras e cardiologistas, são uma raridade no interior de estados da Amazônia. Quando aceitam trabalhar em áreas remotas, cobram valores acima da média dos maiores centros urbanos. Há profissionais que recebem até R$ 135 mil por mês em soma de diárias. A informação consta em um levantamento do Cosems (Conselho de Secretarias Municipais de Saúde) do Amazonas.

Alguns pedidos de profissionais superam os R$ 200 mil mensais, mas os municípios alegam não ter recursos. Não há um padrão de contrato com o profissional da saúde. Segundo o Cosems, pode ser na modalidade de plantão, dias, quinzena, mensal ou por horas. Há médicos que atuam de dois a 30 dias seguidos, mas o contrato mais utilizado é o de 15 dias.

O município de Lábrea (AM) diz receber R$ 216 mil por mês do governo federal para esse tipo de contração. “Com isso não pago dois cirurgiões por mês aqui”, afirma o secretário municipal de Saúde, Dario Vicente da Silva. Na cidade, para não deixar os moradores sem assistência, a prefeitura contratou dois cirurgiões, que se revezam 15 dias seguidos trabalhando no hospital, e recebem por isso R$ 90 mil mensais cada um. “Parto é eles que fazem. Não tenho anestesista, nem obstetra”, explica.

“Hospital de Lábrea (AM) conta com dois cirurgiões que acumulam funções”

Uma empresa especializada cobrou R$ 503 mil por mês por um pacote que inclui obstetra, anestesista e cirurgião. “Consultei então direto um ginecologista, e ele cobrou R$ 120 mil por 20 dias. É muito caro, não temos condições. A gente precisa discutir isso a fundo. É preciso um suporte do estado, que não está cumprindo sua parte: se não quer mandar recurso, manda o profissional. Hoje, deixamos de investir na assistência básica, que é nossa responsabilidade, para pagar especialista” – disse Dario Vicente.

Governos avisados

O presidente da Associação Amazonense de Municípios, Anderson Souza, afirma que apresentou o problema recentemente ao governo do estado e à ministra da Saúde, Nísia Trindade, sobre o problema. “Nós não podemos arcar com esse custo, nossa responsabilidade é assistência básica. O estado é o responsável pela média e alta complexidade, e não está cumprindo” – relata, Anderson Souza, presidente da Associação Amazonense de Municípios.

O presidente do Cosems no Amazonas, Manoel Barbosa, afirma que a maioria dos profissionais cobra por diárias. “Normalmente se contrata um cirurgião que faz tudo dentro do hospital. Tem casos são eles que atendem tanto a parte clínica, como as cirurgias”. Os valores mais altos são pagos por meio de manobras contábeis. Reportagem do jornal A Crítica revelou que até salários chegam a superar o teto do funcionalismo público. Na lista há dois médicos no interior do estado que recebem em folha R$ 45 mil e R$ 46 mil, acima do valor máximo de R$ 41,6 mil —salario de ministro do STF.

Em Manicoré (AM), ainda mais distante de capitais, a chegada só ocorre de avião (com três voos semanais de linha com preço médio de R$ 1.000) ou de barco com viagens que duram até dois dias. A prefeitura paga hoje R$ 4.516 por diária a um anestesista, o que dá R$ 135 mil por 30 dias de serviço.

“É muito raro que queira fixar residência no interior. Aqui não tem shopping, não tem faculdade para os filhos. Quem quer trazer sua família para um local que não tem muita infraestrutura? E como o acesso é difícil, não posso ter o rodízio de plantão 24 horas porque porque não tem quem troque” – diz a secretária de Saúde de Manicoré, Adriana Moreira.

Manicoré tem uma unidade básica de saúde fluvial, mas que faz apenas atenção básica  - Divulgação - Divulgação
“Manicoré tem uma unidade básica de saúde fluvial, mas que faz apenas atenção básica”

O maior problema enfrentado pelos municípios é o valor repassado pela tabela SUS por consulta, cujo valor de R$ 10,00 é irrisório, fazendo com que os entes municipais arquem com as diferenças dos valores para poder “seduzir” médicos a atuarem em áreas remotas.