Governo Bolsonaro “passa a boiada” e autoriza desmatamento em terras indígenas

“Medida prevê manejo de florestas por pessoas não indígenas”

José Carlos Bossolan

Faltando duas semanas do fim do mandato, o governo do presidente Jair Bolsonaro resolveu autorizar a realização de “manejo florestal” dentro de terras indígenas. Na prática, trata-se de permitir a exploração de madeira dentro de áreas demarcadas, por pessoas não indígenas. Uma instrução normativa que autoriza essas atividades foi publicada nesta sexta-feira, 16, no Diário Oficial da União (DOU), assinada pelas presidências do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e da Fundação Nacional do Índio (Funai).

A norma prevê que não indígenas possam explorar as áreas de TIs – “Para os fins de aplicação desta Instrução Normativa, são adotados os seguintes conceitos: organização indígena: forma de associação ou cooperativa composta exclusivamente por integrantes indígenas; organização de composição mista: forma de associação ou cooperativa onde é admitida a participação de não indígenas, desde que essa participação seja inferior a 50 %”.

Em reunião Ministerial no início de 2020, o então ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles anunciou que seria hora de ”ir passando a boiada” e mudar as regras ligadas à proteção ambiental e à área de agricultura e evitar críticas e processos na Justiça – “Então pra isso precisa ter um esforço nosso aqui enquanto estamos nesse momento de tranquilidade no aspecto de cobertura de imprensa, porque só fala de Covid e ir passando a boiada e mudando todo o regramento e simplificando normas. De IPHAN, de ministério da Agricultura, de ministério de Meio Ambiente, de ministério disso, de ministério daquilo. Agora é hora de unir esforços pra dar de baciada a simplificação, é de regulatório que nós precisamos, em todos os aspectos” – disse em 22 de abril de 2020.

De acordo com a instrução normativa publicada nesta sexta-feira, o objetivo é estabelecer “as diretrizes e os procedimentos para elaboração, análise, aprovação e monitoramento de Plano de Manejo Florestal Sustentável Comunitário para a exploração de recursos madeireiros em terras indígenas”. No prazo de até 45 dias a Coordenação Regional da Funai apresentará a sua manifestação técnica sobre o Relatório de Viabilidade Socioeconômico, bem como sobre a forma, composição, e legitimidade da organização que pretende executar o manejo florestal.

Conforme a Instrução Normativa, constatadas não conformidades em sua execução, o Ibama procederá pela notificação ao detentor da autorização para fins de ações corretivas e preventivas. A depender do enquadramento das não conformidades constatadas, o Ibama poderá suspender a autorização e/ou bloquear os créditos florestais do PMFS Comunitário em TI, até que sejam adotadas as ações corretivas e preventivas, sem prejuízo da adoção de outras medidas administrativas cabíveis.

Organizações socioambientais temem que a medida acabe por facilitar ainda mais a exploração criminosa que já ocorre, devido a falhas em fiscalizações e monitoramento dessas atividades, que muitas vezes são usadas para “lavar” a retirada clandestina de madeira. Pelo texto publicado por Ibama e Funai, a exploração madeireira poderá ser feita por “organizações indígenas ou através de organizações de composição mista”, ou seja, com não indígenas. Segundo Ibama e Funai, “aos indígenas se estende a proteção das leis do País, nos mesmos termos em que se aplicam aos demais brasileiros”.

Juliana de Paula Batista, advogada do Instituto Socioambiental, afirma que a instrução foi editada sem consulta às instâncias representativas indígenas e que desconsidera as formas de gestão que os povos fazem de seus territórios. “Essa instrução permite que entidades compostas por brancos possam fazer manejo florestal nas terras. Isso afronta o usufruto exclusivo que os indígenas têm das riquezas dos rios, lagos e solos, previsto na Constituição Federal”, disse ao Estadão.

“O texto também desrespeita o Estatuto do Índio, que proíbe aos não indígenas a realização de atividades extrativas em terras indígenas. O ato da Funai e do Ibama é absurdo, ilegal, inconstitucional e tenta liberar mais uma boiada no apagar das luzes do governo Bolsonaro”. Questionado pela reportagem sobre a instrução normativa, o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), disse que vai levar o caso para o Supremo Tribunal Federal. “Vamos ao STF para derrubar a medida”, afirmou.

O Estadão também repercutiu a publicação com membros da transição do governo eleito de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). A informação é que essa instrução normativa publicada nesta sexta vai entrar nas recomendações de atos que devem ser revogados já no início de 2023. Neste caso, especificamente, quem poderia revogar a instrução são os novos presidentes do Ibama e da Funai, porque trata-se de uma decisão publicada pelos dois órgãos.

Em nota, a Funai afirma que a medida era uma “reivindicação antiga de diversas etnias e resultará em mais autonomia para os indígenas” e acrescenta que possibilitará a ampliação de “geração de renda nas aldeias de forma sustentável”. Segundo a fundação, a regulamentação “ajudará a combater as atividades de desmatamento ilegal em terras indígenas”. Diz ainda que o manejo florestal “é estudado há mais de uma década por instituições e entidades ambientalistas e indigenistas como uma alternativa viável de geração de renda e emprego nas comunidades indígenas”.

Com informações do Estadão Conteúdo e G1.