Fim das invasões de terras depende de aprimoramento da reforma agrária

“legislação prevê punição para invasores, mas quase nunca é aplicada”

José Carlos Bossolan

No último dia 27 de abril, a Câmara dos Deputados aprovou a abertura de CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) para investigar a atuação do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terras). O excluído socialmente, com qualificação técnica, já quase não existe. A lei já delimita alguns critérios, porém em suma não são aplicados.

A gota d`água para a leitura do Requerimento por parte do presidente da Câmara, Arthur Lira, tem ao menos dois vieses: pressionar o Governo Federal por mais espaço e a manutenção de seu primo, na superintendência do INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), no Estado de Alagoas.

O MST na jornada “Abril Vermelho”, fez diversas “ocupações”, como os militares preferem chamar, as “invasões” como define a lei, em área pública da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), áreas particulares e pediram em Alagoas, a retirada de Wilson César de Lira Santos da chefia do órgão federal.

Tentar criminalizar o MST, por si não resolve, já que como “movimento social”, não possui CNPJ (Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica), para seus dirigentes respondam pela entidade. Por outro lado, o MST não atua exclusivamente no Brasil sob a luz da reforma agrária, contando no país com algumas centenas de outras entidades, sociais ou jurídicas que atuam pela reforma agrária. A aposta das entidades é que no curso de um processo, os “João sem terras”, aleguem não responder pelas entidades.

A Lei 8.629 de 25 de fevereiro de 1993, já disciplina o tema que almeja ser investigado pelos deputados federais. O artigo 2º da referida lei, já prevê punibilidade para os casos – “O imóvel rural de domínio público ou particular objeto de esbulho possessório ou invasão motivada por conflito agrário ou fundiário de caráter coletivo não será vistoriado, avaliado ou desapropriado nos dois anos seguintes à sua desocupação, ou no dobro desse prazo, em caso de reincidência; e deverá ser apurada a responsabilidade civil e administrativa de quem concorra com qualquer ato omissivo ou comissivo que propicie o descumprimento dessas vedações”.

A legislação, embora com 30 anos, é atual, faltando o cumprimento das penalidades previstas na Lei 8.629/93, por parte das autoridades competentes. A mesma lei, não apenas suspende desapropriação de imóvel esbulhado, como também penaliza os participantes identificados. A pena atinge assentados do Programa Nacional de Reforma Agrária que participam dos atos, como também os inscritos para serem beneficiados pela política pública.

“Será excluído do Programa de Reforma Agrária do Governo Federal quem, já estando beneficiado com lote em Projeto de Assentamento, ou sendo pretendente desse benefício na condição de inscrito em processo de cadastramento e seleção de candidatos ao acesso à terra, for efetivamente identificado como participante direto ou indireto em conflito fundiário que se caracterize por invasão ou esbulho de imóvel rural de domínio público ou privado em fase de processo administrativo de vistoria ou avaliação para fins de reforma agrária, ou que esteja sendo objeto de processo judicial de desapropriação em vias de imissão de posse ao ente expropriante; e bem assim quem for efetivamente identificado como participante de invasão de prédio público, de atos de ameaça, sequestro ou manutenção de servidores públicos e outros cidadãos em cárcere privado, ou de quaisquer outros atos de violência real ou pessoal praticados em tais situações”.

O próprio advogado, deputado federal licenciado e ministro do Desenvolvimento Agrário, Paulo Teixeira, aliado do MST, disse recentemente que não há “fato determinado” para ser investigado pela Câmara dos Deputados. “Acho que a gente não tem fato determinado. Foi um mês, uma jornada de luta, de protestos e já se retiraram. Temos que avançar neste país para pacificar, ter paz no campo. Por essa razão, acho que a gente não deve tocar essa CPI”, afirmou. Segundo Teixeira, o governo está trabalhando para reduzir conflitos fundiários no Amazonas, no Pará e no Acre, onde estão sendo registradas várias mortes, e irá apresentar um amplo plano de reforma agrária. Todos já saíram das áreas que foram ocupadas. E agora prossigamos para não ter mais tensão no campo no Brasil. Vai investigar o quê? Ocupações que já não existem mais. O Congresso Nacional tem matérias mais importantes para se debruçar” – disse o ministro no dia 27 de abril.

Porém a redação dada pela Medida Provisória 2.183-56/2001, não define prazo para apuração dos fatos, ao contrário determina apuração dos mesmos, sem lapso temporal – “…e deverá ser apurada a responsabilidade civil e administrativa de quem concorra com qualquer ato omissivo ou comissivo que propicie o descumprimento dessas vedações”. A reforma agrária não pode se resumir em discussões temporárias, sem efetiva mudança. A exploração da reforma agrária virou “negócio lucrativo”. Lucrativo para quem explora o contexto sob a prerrogativa do interesse social.  

Às famílias assentadas e acampadas, viraram “moeda de troca”, tanto política, como de pressão. Política, por que a dependência do estado, ou a falta de políticas públicas para o progresso dessas famílias, e independência financeira não interessa a quase ninguém, afinal, não continuam no “cabresto eleitoral”. Com pressão, quanto mais “massa” tiver engajada em certo grupo, mais demonstração de força esse representa, então tem “munição” para abrir negociatas.

O assentado, deve ser mantido como o “favelado rural”, e isso movimenta o “mercado paralelo”, com venda informais de lotes, já que a inércia do órgão responsável, não cria alternativa imediata de troca de titularidade ou núcleo familiar. Os órgãos alimentam um mercado informar de compra e venda de lotes da reforma agrária, não por falta de legislação, mas para manter essas famílias reféns da custódia do estado, fruto da in[ercia ou estrutural. E isso, gera em tese a “renúncia de receita”, já que os valores investidos não retornam aos cofres do estado. Com 10 anos de assinatura de contrato, a lei define o título definitivo aos assentados.

A Lei 4.504/1964 (Estatuto da Terra), o berço da legislação agrária, define que – “A Reforma Agrária visa a estabelecer um sistema de relações entre o homem, a propriedade rural e o uso da terra, capaz de promover a justiça social, o progresso e o bem-estar do trabalhador rural e o desenvolvimento econômico do país, com a gradual extinção do minifúndio e do latifúndio”.

A mesma lei fala em venda dos imóveis desapropriados. “As terras adquiridas pelo Poder Público, nos termos desta Lei, deverão ser vendidas, atendidas as condições de maioridade, sanidade e de bons antecedentes, ou de reabilitação, de acordo com a seguinte ordem de preferência:I – ao proprietário do imóvel desapropriado, desde que venha a explorar a parcela, diretamente ou por intermédio de sua família; II – aos que trabalhem no imóvel desapropriado como posseiros, assalariados, parceiros ou arrendatários; III – aos agricultores cujas propriedades não alcancem a dimensão da propriedade familiar da região; IV – aos agricultores cujas propriedades sejam comprovadamente insuficientes para o sustento próprio e o de sua família; V – aos tecnicamente habilitados na forma dá legislação em vigor, ou que tenham comprovada competência para a prática das atividades agrícolas”.

O mesmo “Estatuto da Terra”, define que – “O Poder Público poderá explorar direta ou indiretamente, qualquer imóvel rural de sua propriedade, unicamente para fins de pesquisa, experimentação, demonstração e fomento, visando ao desenvolvimento da agricultura, a programas de colonização ou fins educativos de assistência técnica e de readaptação”. Neste caso, os imóveis que não atendam essa definição, poderão ser transferidos para o INCRA. Mas isso não ocorre, pois diversos imóveis de órgão governamentais ficam ociosos, sem exploração.

Entretanto, nem os títulos definitivos são outorgados. A Lei 13001/14, estabelece que a distribuição de imóveis rurais pela reforma agrária far-se-á por meio de títulos de domínio, concessão de uso ou concessão de direito real de uso – CDRU, sendo facultado ao assentado optar pelo título de direito real.

A lei, autoriza o INCRA a conceder os CDRU, em assentamentos criados a 2 anos, tendo como parâmetro a data de 22 de dezembro de 2016, ou seja, a quase uma década (Lei 13.465/17). Com essa medida, os beneficiários da reforma agrária, poderão pagar pelo imóvel, com valores subsidiados, não computando os valores empregados nas obras de infraestrutura de uso coletivo, valores com topografia da área e custos com a criação dos assentamentos.

Nem o atual governo, tão pouco o anterior debruçou para resolver às questões agrárias. Nos últimos 4 anos, foram destinados alguns títulos à assentados, mas sem efeito legal. Sem que o imóvel desapropriado esteja transferido com título translativo de domínio, registrado no Cartório para a autarquia federal, sem elaboração de planilha de custo, prazo de carência, não há como emitir a Guia de Recolhimento da União, e consequentemente o beneficiário da reforma agrária continua na condição de concessionário de uso da terra.

Já no atual Governo, a emissão de títulos definitivos é fora de cogitação. Com isso, valores que poderiam ser investidos em outras áreas, deixam de retornar aos cofres públicos. A maioria dos assentados que estão em assentamentos criados a mais de 10 anos, almejam os títulos definitivos.

Uma das áreas que tais valores poderiam serem redirecionados, é pelo Programa Nacional de Crédito Fundiário, que oferece condições para que os agricultores sem acesso à terra ou com pouca área possam comprar imóvel rural por meio de um financiamento de crédito rural, com pagamentos do montante em até 25 anos.

MUDANÇAS

Às mudanças, deveriam acontecer de forma concreta. Os moldes para eliminar as invasões de imóveis rurais, vistoriados ou não, privados ou públicos, passa pela aplicação da lei penalizando os responsáveis. Por outro lado, conforme a lei, a seleção de famílias, deveriam ocorrer por entrevista de qualificação técnica para a exploração do lote desapropriado. Assim determina a lei.

Cumulativamente a seleção de candidatos a ingressar no programa de reforma agrária, o Governo através do INCRA, deveria criar o assentamento, realizar as obras de infraestrutura de instalação, como estradas, rede de energia e abastecimento, construção de casas populares em igual tamanho em cada lote, e posteriormente efetuar sorteio dos classificados na seleção, nos moldes que ocorrem em conjuntos habitacionais urbanos.

Esta medida por si, já eliminaria o interesse de famílias serem cooptadas por movimentos sociais para formação de acampamento de sem terras, já que o critério para seleção seria um cadastro governamental e não atrelarão a movimento ou acampamento rural. Para isso, anualmente o órgão deveria credenciar por meio de chamada pública, famílias interessadas em se inscrever no Programa Nacional de Reforma Agrária em cada região, desde que tenha imóvel com processo de desapropriação ou carta de intenção de venda, nos moldes do Decreto 433/92 (venda direta).

No ato da homologação, os beneficiários dos lotes da reforma agrária, já teriam em mãos o título de uso, com prazo automático para confecção do CDRU após 10 anos de criação do assentamento, com Declaração de Aptidão ao Pronaf, podendo iniciar sua vida produtiva, com toda infraestrutura necessária para o desenvolvimento das atividades agropecuárias no lote.

A maioria dos movimentos sociais da “luta pela terra”, optam por não constituir entidades legalmente, para que não seja impedida de receber nenhum recurso do estado. Como não legalizada juridicamente, sem CNPJ, não há nenhuma sanção contra movimento sociais, já que este não firma contrato com poder públicos, mas sim entidades criadas com objetivo desta finalidade, gerenciadas normalmente por pessoas não militantes diretamente nos movimentos.

“A entidade, a organização, a pessoa jurídica, o movimento ou a sociedade de fato que, de qualquer forma, direta ou indiretamente, auxiliar, colaborar, incentivar, incitar, induzir ou participar de invasão de imóveis rurais ou de bens públicos, ou em conflito agrário ou fundiário de caráter coletivo, não receberá, a qualquer título, recursos públicos”, diz a lei 8.629.

Sem personalidade jurídica, nenhum dirigente é responsável pelo ato de invasão, a não ser que sejam identificados pelas autoridades no ato do esbulho possessório (fragrante). Legislação existe, mas não se aplica. Outras leis necessitam de aprimoramento, assim como penalizar os latifúndios improdutivos, flagrados com trabalho escravo e outros crimes de maior potencial, destinando para fins de reforma agrária, como emana a lei.

A CPI do MST vai buscar criminalizar as lideranças do movimento. Se for aprofundado o tema, não só de invasões de terras, o Câmara dos Deputados terá material farto para transformar a reforma agrária, aproveitando a legislação vigente, com aprimoramento de algumas outras mais obsoletas, mas como ponto primordial, apresentar relatório conclusivo com medidas a serem adotadas, não por meio de edição de novas leis, mas com pedido de cumprimento das existentes e aprimorar a forma de seleção de candidatos ao Programa Nacional de Reforma Agrária e liberação dos assentados que se enquadrem na Lei, com a titulação definitiva, com ressarcimento dos valores destinados para a desapropriação, com os subsídios definidos por lei.