Secom CONAFER
Hoje será retomado o julgamento pelo Supremo Tribunal Federal de uma ação de reintegração de posse movida pelo governo de Santa Catarina contra o povo Xokleng, referente à TI Ibirama-Laklãnõ, território onde vivem também os povos Guarani e Kaingang. O status do processo é de repercussão geral, o que significa que a decisão será jurisprudência para todas as instâncias da Justiça sobre procedimentos demarcatórios, podendo anular antecipadamente qualquer tentativa de inclusão do marco temporal. O PL 490 que trata do marco temporal, é uma interpretação defendida pelos interessados na exploração dos territórios, restringindo os direitos constitucionais dos povos indígenas. Com o marco temporal, os indígenas só teriam direito à terra se estivessem sobre sua posse no dia 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição. Portanto, desconsidera expulsões, remoções forçadas e todas as violências sofridas pelos indígenas antes de 1988 (indígenas não podiam entrar na Justiça de forma independente), além de anular tudo o que foi conquistado e retomado há décadas. Esta será a 8ª sessão de julgamentos sobre o assunto de maior interesse dos povos originários em sua luta por autonomia e defesa dos seus direitos constitucionais
Brasília é mais uma vez o palco de luta dos povos indígenas contra o criminoso e pernicioso marco temporal, pois esta tese quer permitir o uso das terras para exploração do Estado sem permissão dos donos da terra, e outras anomalias jurídicas capazes de retirar de uma hora para outra os territórios reconquistados à custa da morte de centenas de lideranças e nações inteiras, como os Xokleng, uma etnia quase dizimada no século passado, e que segue na luta por sua existência em Santa Catarina, agora alvo de uma decisão no julgamento da Terra Indígena Ibirama La-Klãnõ pelo STF, de quem se espera um ato de justiça com a história deste povo, e consequentemente, criando uma jurisprudência capaz de derrubar qualquer tentativa de avanço do famigerado PL 490.
Dos mais de 6 milhões dos povos originários que viviam em 1500 nesta parte da América, hoje Brasil, restaram 1,7 milhão de acordo com o último censo do IBGE. Em 500 anos, foram quase 5 milhões de indígenas assassinados, escravizados até a morte, estuprados em suas aldeias, infectados por vírus e bactérias, expulsos de seus territórios, e que não desapareceram da noite para o dia. São 5 séculos de uma morte diária, a cada retirada de um direito, a cada voz silenciada pelos poderes constitucionais.Portanto, acima de questões ideológicas ou políticas de interesses dos não-indígenas, ou qualquer tese de desenvolvimento econômico, está a questão humanitária e do direito à posse original da terra, uma defesa amplamente favorável em favor dos povos tradicionais em qualquer corte internacional, como foi o caso dos Xukuru do Ororubá, no agreste de Pernambuco, que obtiveram uma vitória histórica, quando o governo brasileiro depositou na conta da Associação Xukuru, que representa quase 12 mil pessoas de 24 aldeias, uma indenização de US$ 1 milhão. O povo Xukuru conquistou o direito a essa indenização por reparações históricas após condenação do governo brasileiro pela Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH).
Há 435 terras indígenas regularizadas no país e 231 processos demarcatórios paralisados, com 536 pedidos indígenas de constituição de grupos de trabalho para identificação de terras tradicionais. A paralisação dos processos de demarcação na FUNAI decorre de ações judiciais propostas por ocupantes não-indígenas, e que pleiteiam a posse da terra indígena que já ocupam ilegalmente.
O teor do julgamento pelo STF
A TI Ibirama-Laklãnõ está localizada entre os municípios de Doutor Pedrinho, Itaiópolis, Vitor Meireles e José Boiteux, 236 km a noroeste de Florianópolis (SC). A área tem um longo histórico de demarcações e disputas, que se arrasta por todo o século XX, no qual foi reduzida drasticamente. O julgamento da ação é de reintegração de posse movida pelo governo de Santa Catarina. A TI Ibirama-Laklãnõ foi identificada por estudos da Fundação Nacional do Índio (Funai) em 2001, e declarada pelo Ministério da Justiça, como pertencente ao povo Xokleng, em 2003. Os indígenas nunca pararam de reivindicar o direito ao seu território ancestral.
Está escrito na Constituição Federal, em seu artigo 231, que “são reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.” Apoiar a garantia dos direitos dos povos originários é um dever da CONAFER, pois todos os indígenas são reconhecidos como agricultores familiares pela Lei da Agricultura Familiar, a Lei nº 11.326, de 2006.
O relator, Edson Fachin, e o ministro Alexandre de Moraes votaram pela rejeição da tese, enquanto Kassio Nunes Marques defendeu reconhecê-la. Em junho, André Mendonça interrompeu a análise ao pedir vista – ou seja, mais tempo para estudar os autos. O primeiro voto, o de Fachin, foi proferido ainda em 2021. Segundo o relator, a tese desconsidera a classificação dos direitos indígenas como fundamentais, ou seja, cláusulas pétreas que não podem ser retiradas por emendas à Constituição.
Restam os votos dos ministros André Mendonça, Cristiano Zanin, Gilmar Mendes, Dias Toffoli, Luiz Fux, Luís Roberto Barroso, Cármen Lúcia e Rosa Weber, que deve antecipar o seu voto por estar se aposentando do STF.