“Desonestidade do governo”, diz general Santos Cruz sobre acampamentos em quartéis

Chico Alves/UOL

Ex-ministro do governo de Jair Bolsonaro e general da reserva, Carlos Alberto dos Santos Cruz avalia que a existência de acampamentos como o que está à frente do Quartel-General do Exército, em Brasília, é resultado da desonestidade com que o governo federal trata essas pessoas. A solução para o problema, acredita ele, não passa pelos militares, mas sim pela esfera política.

Para Santos Cruz, estímulos e interpretações políticas completamente descabidas, como a ideia de que as Forças Armadas são poder moderador, provocaram essa situação. “Os irresponsáveis, incentivadores, exploradores, manipuladores tratam as pessoas como inocentes úteis e estão e estarão sempre longe dali” – apontou.

Sobre aqueles que planejaram e executaram atos terroristas, o general espera que a lei seja cumprida com presteza e que eles sejam levados à Justiça. O ex-ministro faz duras críticas ao presidente Bolsonaro, a quem atribui a obrigação de emitir orientação segura, legal e clara sobre as questões nacionais, como nesse caso dos acampamentos. “A autoridade é paga para isso e não pode se omitir, esperar para ver o desfecho sem se comprometer, ou simplesmente sair de cena”, afirma.

UOL – Como acha que deve ser solucionada a questão dos acampamentos à porta dos quartéis?

“As Forças Armadas já não deveriam ter evacuado esses locais? Santos Cruz – Isso é consequência de estímulos e interpretações políticas completamente descabidas. Desde a ideia absurda de que Forças Armadas são “poder” moderador” que podem interferir no funcionamento dos poderes, às diversas tentativas de arrastá-las como instrumento de pressão política, com inúmeras desnecessárias referências ao “meu Exército”. Houve lembranças constantes sem sentido de que o Presidente da República é o comandante-em-chefe das Forças Armadas e outras fanfarronices. Por tudo isso, o assunto precisa ser tratado politicamente. As minhas observações se referem à grande maioria dos participantes”.

E quanto aos que planejaram e executaram atos terroristas?

“Para os poucos envolvidos em ações terroristas escondidos no meio do ambiente de manifestações o que tem que ser feito é a aplicação da lei com presteza, o que está sendo feito. É simples caso de polícia. Que as investigações levem à Justiça o mais breve possível todos os criminosos que incendiaram veículos e os envolvidos no recente caso do explosivo colocado no caminhão-tanque”.

Como se explica tantas pessoas reivindicando intervenção militar, depois da realização de eleições democráticas?

“O que eu vejo é uma grande desonestidade, falta de respeito e covardia do governo com as pessoas participantes, além de um bombardeio de fake news para manipular e alimentar diariamente a esperança pela decisão de uma liderança que não existe. Isso é desonesto. Os irresponsáveis, incentivadores, exploradores, manipuladores, tratam as pessoas como inocentes úteis e estão e estarão sempre longe dali. Isso também é desonesto. Existem considerações de ordem prática e legais sobre os acampamentos, mas, na essência, é uma questão política que precisa ser tratada por autoridades de nível político”.

Como o sr. vê a atuação do presidente Bolsonaro diante desses grupos?

“O presidente da República jamais poderia permanecer em silêncio, sem se pronunciar sobre o assunto por quase dois meses. É obrigação dele emitir uma orientação segura, legal e clara sobre as questões nacionais. E essa é uma delas. A autoridade é paga para isso e não pode se omitir, esperar para ver o desfecho sem se comprometer, ou simplesmente sair de cena. É questão de obrigação e respeito se dirigir às pessoas que participam dessas manifestações e falar a realidade”.

Que tipo de mensagem o governo deveria dar às pessoas que estão nesses acampamentos?

“A solução das disputas políticas e dos problemas nacionais não está nas Forças Armadas. Houve uma eleição, uma disputa acirrada e dividida, com resultado de 51% a 49%. Não há novidades à frente. Já é o terceiro mandato do presidente Lula. Todos já conhecem a maioria das pessoas de seu grupo, sabem os pontos fortes e os pontos fracos, erros e acertos, o que precisa ser corrigido e o que precisa ser fiscalizado. Na democracia, a oposição é tão importante quanto o governo. Ao menos uma parte dos 49% pode ser uma oposição construtiva e fiscalizadora, fundamental para o funcionamento da democracia. Uma oposição bem organizada pode produzir muito mais para o Brasil do que essa atitude de ficar na frente dos quartéis. Isso precisa ser dito com coragem, honestidade e sinceridade pela autoridade máxima do nível político, e não pelas autoridades militares, que são comandantes operacionais. Não se pode aceitar essa transferência desleal e sorrateira das obrigações políticas para o componente militar. A desmobilização das manifestações passa pela honestidade política”.