Após uma semana da decisão do STF, Senado aprova “marco temporal” em terras indígenas

“Lula anunciou que irá vetar proposta aprovada nesta quarta”

José Carlos Bossolan

Os ministros do STF (Supremo Tribunal Federal), rejeitaram a tese do marco temporal para demarcação de terras indígenas na última quinta-feira (21/09), pelo placar de 9 votos a 2. O Plenário decidiu que a data da promulgação da Constituição Federal (5/10/1988), não pode ser utilizada para definir a ocupação tradicional da terra por essas comunidades originárias.

“Suprema Corte decidiu pela ilegalidade do marco temporal”

O julgamento começou em agosto de 2021 e é um dos maiores da história do STF. Ele se estendeu por 11 sessões, as seis primeiras por videoconferência, e duas foram dedicadas exclusivamente a 38 manifestações das partes do processo, de terceiros interessados, do advogado-geral da União e do procurador-geral da República.

Nesta quarta-feira (27), os ministros do Supremo, fixaram parâmetros da questão, como indenização de benfeitoria realizadas de boa fé – “Ausente ocupação tradicional indígena ao tempo da promulgação da Constituição Federal ou renitente esbulho na data da promulgação da Constituição, são válidos e eficazes, produzindo todos os seus efeitos, os atos e negócios jurídicos perfeitos e a coisa julgada relativos a justo título ou posse de boa-fé das terras de ocupação tradicional indígena, assistindo ao particular direito à justa e prévia indenização das benfeitorias necessárias e úteis, pela União; e, quando inviável o reassentamento dos particulares, caberá a eles indenização pela União (com direito de regresso em face do ente federativo que titulou a área) correspondente ao valor da terra nua, paga em dinheiro ou em títulos da dívida agrária, se for do interesse do beneficiário, e processada em autos apartados do procedimento de demarcação, com pagamento imediato da parte incontroversa, garantido o direito de retenção até o pagamento do valor incontroverso” – fixou o texto.

As indenizações, não serão pagas a ocupantes não indígenas em terras demarcadas pela União (leia a íntegra no final da matéria). Também na data da fixação dos critérios pelos ministros da Suprema Corte, senadores por 43 votos a favor da fixação e 21 contrários, aprovaram marco temporal para demarcação de terras indígenas.

“senadores aprovam marco temporal nesta quarta-feira, em desacordo com decisão do STF”

Pela proposta dos parlamentares, os povos indígenas só poderão reivindicar a posse de áreas que ocupavam de forma permanente, efetivadas até 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal. Na prática, se as comunidades não comprovarem que estavam nas terras nesta data, poderão ser expulsas.

A votação articulada pela bancada ruralista teve tramitação relâmpago. A CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) aprovou o texto no início da tarde. O projeto não estava na pauta do plenário, mas o pedido de urgência da matéria foi o primeiro pedido a ser analisado. Logo em seguida, o conteúdo da proposta foi aprovado.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva anunciou a aliados que irá vetar o projeto do Senado. Com o veto, a matéria volta para apreciação do Congresso. Caso seja mantida a tese do marco temporal, o mérito deverá voltar para apreciação dos ministros do STF, que já definiram o marco temporal como inconstitucional.

Tese do STF

Decisão: O Tribunal, por maioria, apreciando o tema 1.031 da repercussão geral, deu provimento ao recurso extraordinário, para julgar improcedentes os pedidos deduzidos na inicial, nos termos do voto do Relator, vencidos o Ministro Nunes Marques, que negava provimento ao recurso, e, parcialmente, os Ministros Dias Toffoli e Gilmar Mendes, que davam provimento ao recurso extraordinário, mas devolviam os autos à origem para que, à luz da tese aprovada, fosse apreciada a questão. Não votou, quanto ao mérito do recurso extraordinário, o Ministro André Mendonça, nos termos da questão de ordem apreciada no Plenário virtual. Em seguida, foi fixada a seguinte tese: “I – A demarcação consiste em procedimento declaratório do direito originário territorial à posse das terras ocupadas tradicionalmente por comunidade indígena; II – A posse tradicional indígena é distinta da posse civil, consistindo na ocupação das terras habitadas em caráter permanente pelos indígenas, nas utilizadas para suas atividades produtivas, nas imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e nas necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições, nos termos do § 1º do artigo 231 do texto constitucional; III – A proteção constitucional aos direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam independe da existência de um marco temporal em 05 de outubro de 1988 ou da configuração do renitente esbulho, como conflito físico ou controvérsia judicial persistente à data da promulgação da Constituição; IV – Existindo ocupação tradicional indígena ou renitente esbulho contemporâneo à promulgação da Constituição Federal, aplica-se o regime indenizatório relativo às benfeitorias úteis e necessárias, previsto no § 6º do art. 231  da CF/88; V – Ausente ocupação tradicional indígena ao tempo da promulgação da Constituição Federal ou renitente esbulho na data da promulgação da Constituição, são válidos e eficazes, produzindo todos os seus efeitos, os atos e negócios jurídicos perfeitos e a coisa julgada relativos a justo título ou posse de boa-fé das terras de ocupação tradicional indígena, assistindo ao particular direito à justa e prévia indenização das benfeitorias necessárias e úteis, pela União; e, quando inviável o reassentamento dos particulares, caberá a eles indenização pela União (com direito de regresso em face do ente federativo que titulou a área) correspondente ao valor da terra nua, paga em dinheiro ou em títulos da dívida agrária, se for do interesse do beneficiário, e processada em autos apartados do procedimento de demarcação, com pagamento imediato da parte incontroversa, garantido o direito de retenção até o pagamento do valor incontroverso, permitidos a autocomposição e o regime do § 6º do art. 37 da CF; VI – Descabe indenização em casos já pacificados, decorrentes de terras indígenas já reconhecidas e declaradas em procedimento demarcatório, ressalvados os casos judicializados e em andamento; VII – É dever da União efetivar o procedimento demarcatório das terras indígenas, sendo admitida a formação de áreas reservadas somente diante da absoluta impossibilidade de concretização da ordem constitucional de demarcação, devendo ser ouvida, em todo caso, a comunidade indígena, buscando-se, se necessário, a autocomposição entre os respectivos entes federativos para a identificação das terras necessárias à formação das áreas reservadas, tendo sempre em vista a busca do interesse público e a paz social, bem como a proporcional compensação às comunidades indígenas (art. 16.4 da Convenção 169 OIT); VIII – A instauração de procedimento de redimensionamento de terra indígena não é vedada em caso de descumprimento dos elementos contidos no artigo 231 da Constituição da República, por meio de pedido de revisão do procedimento demarcatório apresentado até o prazo de cinco anos da demarcação anterior, sendo necessário comprovar grave e insanável erro na condução do procedimento administrativo ou na definição dos limites da terra indígena, ressalvadas as ações judiciais em curso e os pedidos de revisão já instaurados até a data de conclusão deste julgamento; IX – O laudo antropológico realizado nos termos do Decreto nº 1.775/1996 é um dos elementos fundamentais para a demonstração da tradicionalidade da ocupação de comunidade indígena determinada, de acordo com seus usos, costumes e tradições, na forma do instrumento normativo citado; X – As terras de ocupação tradicional indígena são de posse permanente da comunidade, cabendo aos indígenas o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e lagos nelas existentes; XI – As terras de ocupação tradicional indígena, na qualidade de terras públicas, são inalienáveis, indisponíveis e os direitos sobre elas imprescritíveis; XII – A ocupação tradicional das terras indígenas é compatível com a tutela constitucional do meio ambiente, sendo assegurado o exercício das atividades tradicionais dos povos indígenas; XIII – Os povos indígenas possuem capacidade civil e postulatória, sendo partes legítimas nos processos em que discutidos seus interesses, sem prejuízo, nos termos da lei, da legitimidade concorrente da FUNAI e da intervenção do Ministério Público como fiscal da lei”.Presidência da Ministra Rosa Weber. Plenário, 27.9.2023.