Empresa de secretário nacional do PT recebeu R$ 11,1 milhões de intermediárias de associações que fraudaram aposentadorias do INSS

“Demonstrações financeiras ainda apontam que empresa tem a receber R$ 6,7 milhões dessas intermediárias. Repasses teriam vindo das associações Universo, APDAP/Acolher e Asbrapi, que, juntas, descontaram de beneficiários do INSS R$ 493 milhões em quase três anos”

Vinicius Cassela/G1

A Datacore Informática, empresa da qual um dos sócios é Ricardo Bimbo Troccoli, secretário Nacional de Ciência e Tecnologia da Informação do Partido dos Trabalhadores (PT), recebeu R$ 11,1 milhões de empresas ligadas a associações que fraudavam aposentadorias do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). A informação foi divulgada inicialmente pelo portal “Metrópoles” e confirmada pelo g1, que teve acesso a documentos enviados pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) e pela Receita Federal para a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do INSS.

“Ricardo Bimbo, setorial Nacional de Ciência e Tecnologia da Informação – Fonte: https://pt.org.br/secretarias-e-setoriais/”

Desde agosto, CPI mista investiga as fraudes em benefícios do INSS, também alvo de investigações da Polícia Federal sobre descontos ilegais de associações. A reportagem do g1 procurou o PT Nacional para esclarecimentos sobre o repasse, mas até a última atualização desta reportagem não havia recebido retorno.

Terceira mais beneficiada

Dentro do período informado pelo Coaf, entre 2023 e 2024, a terceira empresa que mais recebeu recursos da empresa ADS — uma das principais operadoras do esquema com três associações — foi a Datacore. Ao todo, a empresa de Bimbo recebeu R$ 8,3 milhões. No mesmo período, o dirigente do PT também recebeu em suas contas pessoais R$ 320 mil da empresa.

Além disso, a Datacore ainda recebeu entre 2023 e 2024, R$ 1,4 milhão da G8 Cursos e Consultoria e R$ 121 mil da Sempre Empreendimentos. Outras três empresas cujo sócio é José Luis Santos Jesus, apontado como um intermediador de repasses dessas associações, enviou R$ 1,4 milhão para a Datacore no mesmo período, sendo:

  • R$ 693 mil da 360 Soluções e Marketing;
  • R$ 579 mil da JT Corretora;
  • R$ 50 mil da Pactual Serviços e Promoção de Vendas.

Todas essas empresas também são citadas pela Polícia Federal como intermediárias de repasses das associações. Mesmo tendo recebido mais de R$ 11,1 milhões de empresas para a qual “presta serviços”, em sua declaração de Imposto de Renda de Pessoa Jurídica, a Datacore informou que ainda tem a receber R$ 6,7 milhões de duas dessas empresas.

São R$ 5,6 milhões da ADS, que foi fechada em junho deste ano, e R$ 1 milhão da G8 Cursos. Apesar de todos os recebimentos obtidos nas Demonstrações Financeiras (DFs) que a Datacore enviou à Receita entre 2021 e 2024, não constam gastos com salários de funcionários. E, mesmo a sede sendo no centro financeiro de São Paulo, nas demonstrações também não constam qualquer registro de propriedade do local.

Há, contudo, um gasto anual com aluguel de R$ 4 mil (R$ 333 por mês) da sede que fica na avenida Faria Lima. Nesse caso, apenas referente a 2024. Ainda de acordo com dados do Coaf, ao longo de 2023, a Datacore enviou R$ 122 mil para a CH Soluções de Tecnologia da Informação, uma empresa carioca cujo sócio é Rosenilton Santos de Brito, um homem que recebe atualmente recebe R$ 300 pelo Bolsa Família.

A principal operadora

A principal operadora dos repasses das associações era a ADS Soluções e Marketing, empresa criada em fevereiro de 2023, no centro de Aracajú (SE) para prestar serviço de marketing, principalmente, para três associações suspeitas de desviar recursos do INSS:

  • Universo;
  • APDAP/Acolher;
  • Asbrapi.

Juntas, essas três associações receberam R$ 493 milhões em descontos associativos previdenciários entre julho de 2022 e março de 2025. Já a ADS recebeu R$ 116 milhões entre 2023 e 2024 — sendo a maior parte desse valor tendo origem das associações ou empresas relacionadas a elas. A empresa foi baixada, desativada, voluntariamente, em junho de 2025.

De acordo com a Polícia Federal, o sócio formal da ADS seria Ivaldo Carvalho Silveira, morador de Umbaúba, no interior de Sergipe e distante 100 km da capital. Ele também figura como presidente da associação Unidos – Associação de Defesa dos Aposentados e Pensionistas, que fica numa cidade vizinha, Santa Luzia do Itanhy, e que chegou a descontar R$ 155 mil em mensalidades associativas.

Em 2020, Silveira chegou a solicitar quatro parcelas de auxílio emergencial de R$ 600, mas teve o pagamento bloqueado. No primeiro inquérito elaborado pela Polícia Federal sobre a fraude do INSS, os investigadores apontam que “a ADS é mencionada como intermediadora dos recursos desviados pelas entidades associativas”.

A ADS também tem relações indiretas com André Fidelis e Virgílio Oliveira, servidores afastados do INSS e cujo filho e esposa receberam dinheiro da empresa.

Imagem do inquérito da Polícia Federal — Foto: Reprodução/PF
“Imagem do inquérito da Polícia Federal — Foto: Reprodução/PF”

As associações

As três associações citadas — Universo, APDAP/Acolher e Asbrapi — ficam no Nordeste. Duas delas, a Universo e a APDAP/Acolher, em Sergipe, e, a Asbrapi, em Maceió. E, apesar de não serem empresas novas (a Asbrapi, por exemplo, foi criada em 1993), todas as três assinaram o Acordo de Cooperação Técnica (ACT) com o INSS entre 2022 e 2023. Sendo que a ADPAP/Acolher, foi autorizada a realizar descontos em 29 de dezembro de 2022.

De acordo com dados do Portal da Transparência, a Universo recebeu R$ 252 milhões de descontos associativos do INSS, entre julho de 2022 e março de 2025, último mês com descontos sendo pagos pelo INSS. A APDAP/Acolher recebeu R$ 224 milhões a partir de março de 2023. Já a Asbrapi, que só teve autorização para começar a realizar descontos em novembro de 2023, recebeu R$ 16,8 milhões desde março de 2024.

Ressarcimento de descontos

Em outubro, a Dataprev, empresa de tecnologia que presta serviços ao sistema previdenciário nacional, repassou à CPMI do INSS uma relação de dados a respeito das reclamações feitas pelos aposentados e pensionistas que solicitaram reembolso dos descontos realizados. Até a data em que os dados foram fornecidos, no final de setembro, 299.536 pessoas solicitaram ressarcimento de descontos realizados pelas três associações listadas.

Foram 507 mil reclamações contra elas a partir do período em que o governo abriu um canal de atendimento. Nenhuma das reclamações foram respondidas por essas associações. A Dataprev aponta que 824.736 pessoas tiveram descontos realizados por essas associações em seus contracheques. Ao todo, até setembro, o governo já havia reembolsado R$ 190 milhões (45%) dos R$ 423 milhões que foram descontados entre 2022 e 2025.