Câmara aprova texto-base do projeto que retira posses e Bolsa Família de ocupantes de terra

“Texto patrocinado pela bancada ruralista quer coibir movimentos sociais e mira MST. Proposta atinge ocupação de prédios público e não prevê participação da Justiça”

Luiz Felipe Barbiére/G1

A Câmara dos Deputados aprovou nesta quarta-feira (15) o texto-base do projeto que restringe direitos de ocupantes de terra como prestar concurso público e ter acesso ao Minha Casa, Minha Vida e ao Bolsa Família. O placar foi 336 votos favoráveis à proposta e 120 contrários. Em seguida, os deputados começaram a analisar os destaques — sugestões de alterações do conteúdo, e o tema deve voltar a pauta nesta quarta-feira (22) para apreciação.

A proposta, patrocinada pela bancada ruralista na Câmara, foi aprovada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) no mês passado, em resposta ao “Abril Vermelho”, Jornada Nacional de Lutas em Defesa da Reforma Agrária. Essa ação é comandada pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).

No plenário, a relatoria foi do deputado Pedro Lupion (PP-PR), que deixou o texto ainda mais rígido do que o aprovado na comissão. O texto aprovado, por exemplo, prevê a perda da posse de terras de ocupantes titulados por programa de reforma agrária, o que não estava previsto na proposta da CCJ.

O projeto também retira a menção ao “trânsito em julgado” e “prática de crimes”, que passa a considerar como ato caracterizador da punição a identificação do “participante direto ou indireto em conflito fundiário”. Deputados da oposição defenderam a proposta com o argumento de que o texto sustenta princípios constitucionais. Já os governistas obstruíram a votação e avaliaram que o texto estende a punição às famílias dos ocupantes.

A proposta não se restringe apenas a imóveis rurais, mais também urbanos.

Bolsa Família e MCMV

O projeto estabelece proibições a quem for efetivamente identificado como participante direto ou indireto em conflito fundiário que se caracterize por invasão ou esbulho de imóvel rural de domínio público ou privado. As proibições se estendem por 8 anos a contar da data de interrupção da conduta do ocupante, exceto para programas de repasse direto de verba, como o Bolsa Família.

Neste caso, o ocupante deixará de receber o dinheiro do programa enquanto perdurar a ocupação. Ao sair, voltará ao programa. As proibições que se estendem por 8 anos são:

  • participar do Programa Nacional de Reforma Agrária e, se já estiver nele cadastrado ou por ele beneficiado, será excluído, perdendo a posse sobre lote que eventualmente ocupe;
  • de licitar ou contratar no âmbito da Administração Pública direta e indireta de todos os entes federativos, ainda que na qualidade de beneficiário fornecedor de programas específicos de aquisição de alimentos promovidos pelo Poder Público;
  • de receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, incluindo linhas de créditos que tenham subvenções econômicas, com ou sem risco para o Tesouro Nacional;
  • de ser beneficiário de quaisquer formas de regularização fundiária e de programas de assistência social, inclusive de acesso a unidades habitacionais, como o Minha Casa Minha Vida, promovidos pelo Poder Público;
  • de se inscrever em concursos públicos ou processos seletivos para a nomeação em cargos, empregos ou funções públicas;
  • de ser nomeado em cargos públicos comissionados.

A proposta estabelece ainda que empresas que estimularem as ocupações não receberão recursos e nem poderão contratar com o poder público. Conforme o texto, a identificação dos ocupantes será feita pela polícia por meio de documento de identificação oficial. De acordo com o projeto, a polícia deverá encaminhar a documentação no prazo máximo de 10 dias úteis ao órgão federal responsável pela reforma agrária.

Discussões

A base do governo obstruiu a votação, mas viu seus requerimentos serem derrotados por ampla maioria. O deputado Lindbergh Farias (PT-RJ) chamou de absurdo a exclusão da justiça no processo de punição dos ocupantes. “Quem vai dizer que essa pessoa vai ter essas penalidades? Tiraram [do texto] a justiça. As pessoas não precisam ser condenadas. Não tem trânsito em julgado, basta a identificação. Não tem decisão judicial. É uma loucura o que está sendo aprovado aqui”, afirmou o deputado.

Erika Kokay (PT-DF) lembrou que as proibições previstas são mais graves do que as impostas pessoas presas por crimes contra a vida. “Nem aqueles que estão presos têm esse nível de restrição do direito. Quem está em restrição de liberdade, por crimes contra a vida, não sofre essas penalidades”, destacou a deputada.

Já o deputado Hildo Rocha (MDB-BA) sustentou que aprovar o projeto é respeitar a Constituição. “Levando essa boa mensagem ao povo brasileiro, com certeza nós iremos trazer paz para o campo e segurança jurídica a quem produz. Nós precisamos fazer isso, Sr. Presidente, porque essa história de romantizar o crime de invasão de terra, e a pessoa que pratica esse crime não ser responsabilizada é um péssimo exemplo que nós passamos para o mundo”, afirmou o deputado Coronel Assis (União-MT).

“O direito à propriedade é uma garantia da nossa República à família, ao indivíduo, ao cidadão, seja ele de qualquer que seja a situação econômica, pobre, rico, branco, negro, todos têm o direito à propriedade privada”, afirmou.